segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

A importância do conhecimento

Um fator importante, para qualquer área do ensino, é ensinar a importância de aprender. Se deixássemos de estudar o que nossos antepassados deixaram de conhecimento para nós, o conhecimento humano estagnaria, não se descobririam coisas novas. Não podemos deixar de ensinar Pitágoras, tabela periódica, leis da termodinâmica porque tudo o que aprendemos em 8 anos de colégio e mais 3 anos de ginásio (11 anos de estudos) é o que a humanidade vem descobrindo nos seus 5.000 anos de história! Somos uma das poucas sociedades naturais que conseguem deixar o aprendizado de seus erros e sucessos para as gerações futuras e, no entanto, pouca gente dá valor a isso. Muito pelo contrário. Hoje quem tem status são os alunos que não vão à aula, que vão mal na prova, que tiram sarro do professor. Os que estudam são ridicularizados e vistos como pessoas que não sabem aproveitar a vida. De onde surgiu essa idéia? Talvez a culpa é das mães que ameaçam seus filhos dizendo que se não se comportarem serão mandadas para a escola. O ensino virou castigo! E se rebelar contra isso é legal, afinal, todos gostam de rebeldes.

Tudo bem, concordo que o método de ensino no Brasil é ruim. Decorar fatos não é aprender. Assim como decorar fórmulas de física ou matemática não desenvolve um raciocínio lógico. Tem também o problema de que muitas matérias importantes deveriam ser ensinadas e não são, como política (pra que serve um senador, por exemplo), economia, filosofia (entrou no currículo, mas ainda é lenda). A escola deveria ser um lugar onde as crianças quisessem ir, um lugar divertido, onde se aprendesse sobre arte, teatro, música, onde se praticasse esportes. Com um bom planejamento, é possível deixar a criança ocupada o dia inteiro (com horários de recreação livre) e mesmo assim ser um ambiente agradável. Em todos os lugares que estudei, eu ficava de tarde na escola ou no colégio porque não queria ir pra casa e, ao invés da escola ter um planejamento pra eu fazer coisas de tarde com meus amigos, incentivo a atividades, leitura, as coordenadoras me mandavam ir embora! (confesso, eu era um adolescente chato). Hoje as crianças ficam em casa depois da aula fazendo amigos virtuais, jogando jogos eletrônicos e assistindo televisão. Pra onde foi o contato pessoal, o jogo de bola de gude, pular corda?

O nosso “ilustre” presidente Lula (posso ser irônico, o blog é meu e eu tenho liberdade de expressão) teve um desentendimento com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a respeito de educação (no dia 28/11/2007). Não importa muito as farpas que foram atiradas dos dois lados, quero só mencionar uma frase do ex-presidente: “Nós não somos elite só porque somos acadêmicos e trabalhamos. (...) Não pode haver preconceito contra quem sabe. Está se invertendo a situação no Brasil. Saber não é errado”.

A frase de FHC mostra que lá em cima já se notou que houve uma inversão de valores na educação. No entanto, pouco vem sendo feito para remediar a situação. Na época da ditadura muitas matérias foram abolidas das escolas públicas e privadas. Hoje, no auge da democracia no Brasil (será?), onde estão essas matérias que deveriam ter voltado ao currículo? Se em 1985, quando a repressão acabou, a educação tivesse sido restaurada ao que era antes (nem digo priorizada porque dizer isso seria uma piada), a geração anterior à minha, de pessoas de uns 35 anos, já seria mais bem preparada pro mercado de trabalho. A minha geração, de pessoas de 25, também seria mão de obra especializada. Percebam que mesmo que pensassem em mudar agora, em 2007, mais do que 20 anos depois do fim da ditadura, só meus netos talvez aproveitassem uma educação pública de ensino fundamental de boa qualidade.

Conheço pessoas que trabalham 20 anos no mesmo emprego e não conseguem melhorar de vida porque não tiveram educação, realmente não podem fazer muita coisa quanto a isso. Quando elas tentam voltar aos estudos, em supletivos do governo por exemplo, elas encontram professores tão mal preparados que, ou acabam desistindo, ou terminam o curso mesmo não aprendendo nada. Sem contar que em muitas escolas os professores desmotivam os alunos a estudar, porque assim não precisam trabalhar tanto.

Na veja dessa semana saiu uma reportagem sobre professores da rede pública de ensino que, apoiados na lei, faltam dia sim, dia não, em seus trabalhos. Os professores, que parecem não ter nenhum problema de saúde, possuem prescrição médica que os habilitam a faltar na aula. A lei não permite que se falte dois dias seguidos, mas dia sim, dia não, é permitido! O recordista de ausência é um professor que também atua na área de advocacia. Foram totalizadas 108 faltas no ano, sendo que o ano letivo possui aproximadamente 210 dias! No escritório de advocacia, no entanto, ele é muito assíduo, quase nunca falta e é um profissional dedicado. Enquanto o governo passa a mão na cabeça do professor que, deliberadamente, não faz o seu trabalho, não só a educação paga por isso, mas nós também, cidadãos que pagamos o salário desse profissional através dos impostos. Em qualquer empresa, por mais mal administrada que seja, se uma pessoa faltasse tanto assim no trabalho com certeza seria mandada embora por justa causa.

Não acredito que o estado não saiba como resolver o problema da educação. Se eles precisassem de um pouco de modelos que funcionam, não precisaríamos nem pegar o avião, basta ir a colégios como Bandeirantes, Rio Branco, Santa Cruz, entre outros desses famosos, para saber como proceder. Claro que o gasto com os alunos é muito maior nesses colégios particulares, mas ninguém está querendo formar gênios. Se os alunos aprendessem a ler na série em que eles supostamente deveriam, eu já me daria por satisfeito.

Passou do tempo de se pensar numa reforma educacional que realmente dê resultados. Faculdades com valor baixo de mensalidade em que as provas podem ser feitas em casa não são a solução. Um diploma não quer dizer que a pessoa é apta para um cargo. Garanto que muitas pessoas com diploma não são capazes nem de ler e entender esse texto que eu estou escrevendo, e olha que eu escrevo com uma linguagem muito acessível! Um ensino básico de qualidade é essencial para que as pessoas estejam preparadas para a vida, e não somente para o vestibular.

Pra terminar, não concordo com meu amigo que diz que o Estado tem que ser algo tão diferente da competição selvagem do capitalismo. Funcionalismo público deveria ser modelo para como o país deve funcionar. Ainda bem que no Brasil existem empresas privadas, caso contrário com certeza estaríamos ainda muito atrasados economicamente. Exemplo disso é a Vale do Rio Doce, hoje conhecida só como Vale. Por que quando a Vale estava na mão do Estado ela só dava prejuízo e agora que ela está na mão do capital privado, além de dar lucro, é uma das jazidas de maior importância no mundo? Será que o Estado não sabia de algo que os novos donos sabem? Competência talvez.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Ciência e educação

Sempre quando temos aula de biologia, no ginásio, no colégio, vem aquele monte de informação que a gente aceita porque o professor falou, que faz muito sentido quando ouvidas pela primeira vez, mas nunca paramos para nos perguntar como aquilo foi descoberto ou qual a fonte daquela informação. É claro que se quiséssemos pesquisar sobre tudo o que a gente aprende para validar informações, levaríamos anos para cobrir apenas as matérias de ensino médio. Mas acreditar em algo só porque alguém falou que era assim não faz muito sentido.

O que me incomoda, no entanto, é que as pessoas não saberiam nem como validar tais informações, pois não sabem nem como a ciência chegou naquelas conclusões! A população geral até tem um bom conhecimento em biologia, mas não sabe muito bem como a ciência realmente funciona, não sabe que a ciência é questionar racionalmente qualquer fato e propor explicações para ele. Uns alunos meus do cursinho, vira e mexe vêm com dúvidas relacionadas a questões de vestibular que pedem para assinalar a alternativa que corresponda ao jeito correto de conduzir o experimento científico mostrado. Em qual momento da minha formação eu aprendi que se deve realizar um experimento com um controle? Nunca! Só na faculdade eu aprendi isso. Quando foi que aprendemos que a ciência trabalha com paradigmas, hipóteses, previsões e experimentos? Não aprendemos o que é ciência na escola, apenas um monte de informações factuais que são jogadas e que devem ser digeridas pelos alunos. Talvez seja por isso que o Brasil ficou em 52º lugar dentre 57 países em um teste que mede o aprendizado em ciências para alunos de 15 anos. E talvez seja por isso também que muitas pessoas acreditem que a ciência é uma forma de religião porque os professores dizem que aquilo é daquele jeito e ponto final, temos que acreditar. No Brasil funciona assim, mas a ciência não é isso.

A ciência propriamente dita só trabalha com fatos que possam ser provados através de experimentos. Quem quiser pode realizar aqueles experimentos novamente quando quiser, pois eles estão à disposição, e pode-se então questionar os resultados se lhes convir. Por isso a ciência é tão certa do que diz, o que ela descobre não é a verdade absoluta, mas uma resposta que foi conseguida através de uma experiência. Funciona assim:
Eu observo um fato que me chama a atenção, o arco-íris por exemplo. Eu faço uma hipótese de que a luz do sol, passando pelas gotas de chuvas, se decompõe em diversas freqüências de luz formando as cores. Dentro dessa hipótese eu faço uma previsão: se eu jogar uma luz branca como a do sol em uma gota de água, vou conseguir do outro lado da gota um arco-íris. Faz-se a experiência. Se a minha previsão não corresponder com o resultado, ou seja, não aparecer um arco-íris, então jogamos aquela hipótese fora e tentamos outra. Se a previsão se confirma, depois de tentar de novo muitas vezes em diferentes condições, dizemos que aquela hipótese é válida. Aquele então passa a ser a idéia que todos irão aceitar (chamada de paradigma) até alguém propor uma idéia melhor para explicar aquele fato. Todas as explicações científicas foram obtidas assim e qualquer pessoa que quiser bolar uma explicação melhor ou refazer o experimento, está livre para fazê-lo.

Claro que, no entanto, muita coisa na ciência é arraigada em crenças também, como por exemplo, a teoria de simbiose da mitocôndria com células eucariontes (acreditam que as mitocôndrias eram bactérias que passaram a viver dentro das células por mutualismo). Não podemos voltar no tempo pra ver se isso ocorreu de fato, nem provar por experimentos, já que isso ocorreu há milhares de anos, mas temos evidências fortes que nos levam a pensar assim. E as conclusões que tiramos a partir das evidências podem sim ser consultadas e questionadas.

Na Inglaterra, cerca de 80% da população diz que não acredita em nenhuma forma de religião. Lembro que conversando em Londres com minha professora, sobre horóscopo, eu disse que não fazia sentido uma pessoa que nasceu em um país diferente, com diferente cultura, diferente carga genética, ter o mesmo tipo de comportamento só porque nasceram no mesmo dia. Ela achou engraçado e disse: “Olha lá que o cientista vai falar...”. Interessante, aqui no Brasil eu sou biólogo, que vai ser professor, ou trabalhar em prol do meio ambiente, mas nunca sou tratado como cientista! Nos Estados Unidos, a profissão de cientista é mais respeitada do que médicos (segundo lugar) e bombeiros (terceiro lugar). Na Inglaterra, talvez por Darwin ser inglês, as pessoas acreditam na seleção natural e fazem chacota das religiões. Minha professora falou, inclusive, que esse assunto é motivo de piada em Pubs e conversa entre amigos. Quando eu digo que não sou extremista quanto a essa questão, acreditem: eu não sou. Sei a importância que a religião tem na vida das pessoas, mas sei também que é perfeitamente possível viver sem ela. Não quero impor minha opinião a ninguém, quero apenas expô-la, é meu dever como educador da área científica. E não aceito que nenhuma religião me impeça disso. (Essas últimas considerações desse parágrafo foram para pessoas que disseram que eu era extremista. Só queria deixar claro)

Acredito que a aceitação da ciência, da razão, no lugar de mitos e lendas, se daria de maneira mais eficiente se o método científico fosse ensinado nas escolas e que se mostrasse que todo o conhecimento humano foi conseguido desse modo. É como se dá na Inglaterra, por exemplo. Esse post é destinado principalmente para os futuros educadores da área biológica (amigos de faculdade), também para qualquer educador atuante e para as pessoas que não conheciam o pensamento científico.

E com isso acho que termino meus posts sobre religião. No Brasil esse assunto é tabu, as pessoas dizem que não se pode discutir sobre isso. Não é verdade, tudo deve ser discutido, não se pode deixar que aspectos influenciáveis da sociedade não sejam tratados racionalmente.
Obrigado a todos que leram e opinaram, seja deixando um recado aqui, seja pessoalmente.

sábado, 15 de dezembro de 2007

Extremismos

Li uma reportagem essa semana na revista Carta Capital sobre o fundamentalismo ateu. Mostrava o biólogo Richard Dawkins e seu novo livro entitulado “God delusion” (“Deus, um delírio”, em português) que ficou 14 semanas na lista dos mais vendidos. Ele defende a ciência como a única forma de conhecimento válido e critica a religião por fomentar guerras, desentendimentos, informações falsas e diz que o ideal seria aboli-las do planeta! (na verdade a ênfase é na religião católica)

Tudo bem, concordo que a ciência seja a única forma de conhecimento válido pois é baseada em fatos, experimentos e na racionalidade (se alguém conhecer outra forma, por favor eu gostaria de saber). Também concordo que a religião por muitas vezes seja usada como argumentos para ataques pessoais, serve de pretexto para criminosos cometerem suas atrocidades, mas não acho que devemos ser tão radicais porque apenas o caráter extremista das religiões é assim.

Qualquer forma de radicalismo, de extremismo ou de fundamentalismo é ruim. Um exemplo dado na revista é de um empresário, Enron Jeffrey Skiling, que levou o ateísmo ao extremo quando, munido de argumentos do livro “O gene Egoísta”, também do Dawkins, foi condenado a 24 anos de prisão por chefiar a fraude que levou sua empresa à falência deixando dívidas de 40 bilhões de dólares. É claro que é um fato isolado de extremismo, mas esse caso é utilizado por cristãos para dizer que isso é prova de que o ateísmo desemboca necessariamente no egoísmo e na falta de valores morais. Não é verdade.

Acho que Dawkins peca pelo mesmo motivo que os cristãos quando tentam interferir na sociedade. Se cristãos não podem usar camisinha, azar o deles, eu posso. Eles não podem fazer aborto, então que eles não façam. Se eles têm regras para o clube deles, eles que sigam essas regras. Eu, que não faço parte do clube, não preciso seguir as regras estabelecidas por eles. Condeno, portanto, o intervencionismo da igreja na política e na economia. Não precisamos tirar a religião do povo, mas é fundamental que não se deixe que temas religiosos determinem o que nós, não religiosos, devamos ou não fazer. Quando Dawkins prega que devemos combater a igreja e aboli-la, ele faz o mesmo que os crentes, ou seja, tenta impor regras que ele acredita serem certas a pessoas que não acreditam nelas.

Um fator que acho que não é levado em conta pelo biólogo inglês é que em todas as culturas, sejam índios brasileiros, índios andinos, índios africanos, aborígenes australianos, todas essas culturas que nunca se encontraram possuíam alguma forma de religião. Inclusive em chimpanzés já foi presenciado danças onde esses batiam os pés sincronizadamente quando uma forte chuva se aproximava, podendo significar que estavam querendo deliberadamente saudar ou repelir a chuva, quase como um ritual religioso². Visto dessa forma, pode-se dizer que a religião, a necessidade de crer em algo maior, não é social apenas, mas sim intrínseco da espécie humana (inclusive de alguns primatas, em menor nível).

Conheço uma amiga que é aluna de cursinho. Ela estudou, ela sabe que existe evolução, que a religião católica foi criada pelo homem como forma de controle, que padres não podem casar porque senão parte do dinheiro da igreja iria para as esposas, entre muitas outras evidências histórico-biológicas que inviabilizam os preceitos cristãos (fora toda a parte racional envolvida). No entanto ela prefere acreditar que o que a religião diz é verdade. É interessante notar que todas as religiões se dizem dona da verdade, a hindu, a cristã, a muçulmana, mas podemos perceber claramente que elas não podem ser verdade, visto que são excludentes. Mesmo assim, essa amiga prefere acreditar no cristianismo mesmo sabendo que não é racional. Como podemos argumentar contra isso? É o mesmo que, fazendo uma analogia com o filme Matrix, uma pessoa saber que a vida dela é mentira, que ela vive num mundo de fantasia, e mesmo assim escolher a pílula azul, que seria escolher continuar vivendo essa mentira, mas feliz. Os que escolhessem a pílula vermelha conheceriam a realidade, deixariam de viver no mundo falso produzido pelos computadores. Existem os que são felizes fora da Matrix, com a escolha racional, e os que são felizes dentro da Matrix, com a escolha não racional. Um dos personagens, inclusive, quer voltar à Matrix mesmo sabendo que não é real. Isso também acontece com a religião, muitas pessoas preferem ter algo a que se apegar mesmo não sendo racional pois é um fardo muito grande ser responsável pelos seus próprios atos (Sartre argumenta isso de modo mais aprofundado).

Não há muito tempo, o doutor Drauzio Varella, por meios lentos e graduais, tentou dissuadir os ouvintes de seu programa no rádio a respeito de suas crenças. Aos poucos o médico, que é uma autoridade de respeito em sua área, tentava levar seus ouvintes a crer que Deus não existe. Ele desistiu de sua ambição no dia em que um ouvinte chegou e disse assim: “Ô Doutô, mas até Deus você quer tirar da gente?”.

Portanto não acho que tirar a religião do povo seja o certo a ser feito, acho que ciência e religião conseguiriam viver harmoniosamente se a religião não interviesse na ciência, como em relação às células tronco ou ao ensino forçado de teologia e tirar do currículo a teoria evolucionista de Darwin. Também não deveriam intervir na sociedade, como no aborto, na eutanásia e no uso de camisinha. A religião deve saber que serve para dar fé, dar esperança, e que não é função dela dar palpites sociais. Nosso papel como cientistas não é extinguir de vez a fé das pessoas, apesar de ser plenamente possível viver sem Deus. Nosso papel é tentar mostrar o racional, o que existe fora da Matrix, cabe somente às pessoas escolherem se querem a pílula vermelha ou a azul.


²- Então você pensa que é humano?: uma breve história da humanidade, Felipe Fernández-Armesto, p. 33.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Uma defesa ateísta


“Ateu. Adj. 1. Diz-se daquele que não crê em Deus ou nos deuses; ímpio.” (Aurélio – 1ª edição)

Antes de mais nada, quero esclarecer que dirijo esse texto a pessoas racionais. Fé e razão não são assuntos tão díspares quanto se pensa, como vou tentar mostrar nesse texto. Para quem realmente acredita que Eva descendeu de uma costela de Adão (54% dos brasileiros), ou que Noé colocou todos os animais em casais na arca por 40 dias e 40 noites (o que ele deu de comer aos leões? E como ele conseguiu pegar todos os invertebrados, como besouros, formigas, cupins? E as plantas, fungos, bactérias e seres unicelulares?), para aqueles que acreditam nessas afirmações ao pé da letra, e não metaforicamente, peço que não entrem na discussão. Mesmo porque quem acredita nisso, poderia falar que Papai Noel e coelho da páscoa que entrega ovos de chocolate também existe, sendo que não temos nenhuma prova empírica disso.

Como a evolução dos seres vivos hoje em dia é visto como um fato devido a fósseis e datações precisas de elementos radioativos, estudos geológicos, e até matemática, não entrarei no mérito de como aconteceu, mas sim que, de fato, a evolução dos seres vivos é algo praticamente palpável (como a evolução ocorreu é explicada por uma teoria, chamada de seleção natural, pertencente a um inglês de nome Charles Darwin).

Dentro da teoria deísta existem muitos tipos de pessoas (teoria, pois não existe como fazer um experimento científico para validar a hipótese). Existem os de “extrema direita” que acham que Deus criou a terra em 7 dias, no sétimo descansou, Adão, Eva, maçã, aquela coisa toda. Essa primeira visão não condiz com os fatos observados na Terra, pois se sabe que nosso planeta possui mais do que 4000 anos, como escrito na bíblia, algo em torno de 3,5 bilhões de anos. Não existe nenhuma prova concreta, a não ser anotações em um livro escrito por homens, de que o mundo foi criado em tão pouco tempo. Aceitar que todos os seres vivos foram feitos em apenas 7 dias é o mesmo que acreditar em um Papai Noel que entrega presentes para todas as crianças em apenas um dia, na noite de natal, em um trenó puxado por renas voadoras.

Existem os deístas de “centro-direita” que acreditam que na verdade não são 7 dias literalmente, mas sim 7 eras geológicas, em que coisas aconteceram, há muito tempo, evoluíram, e hoje são como são. Esses já são deístas evolucionistas, mas ainda acreditam que de vez em quando Deus, que observa lá de cima ainda hoje, atua em alguns acontecimentos de nossas vidas. Não existem provas de que isso aconteça, portanto a ciência não pode dizer se isso é verdade ou não.

A partir daí existem variações de “centro esquerda”, que acreditam que existiu evolução, que Deus, nesse caso não necessariamente uma entidade física, talvez só uma energia, criou o universo há muito tempo, mas que ele apenas deu uma ajudinha no começo e depois deixou o barco seguir seu rumo.

Finalmente na “extrema esquerda”, que são os que acreditam que Deus, uma espécie de energia e não uma entidade material, criou o universo e era tão onisciente que sabia como seria o final do que havia criado, e portanto não precisaria mais se intrometer.¹

O meu ponto é o seguinte, os ateus acreditam, creio eu, no Big Bang. Uma grande quantidade de energia, atemporal, que surgiu num ponto de imensa densidade, explodiu, e deu origem a todos os elementos químicos, a todas as galáxias, estrelas, buracos negros, planetas, e à Terra. Os deístas, por sua vez, acreditam que Deus é uma entidade atemporal que em um determinado momento gerou o universo. É interessante olhar, no entanto, para a visão da “extrema esquerda” deísta que pode ser definida como uma grande quantidade de energia, atemporal, que gerou uma explosão e deu origem a tudo. Desse modo, nota-se que a visão entre os ateus e os deístas de “extrema esquerda” são extremamente semelhantes: Energias atemporais que criaram o universo! Seria então mais um problema de nomenclatura do que de crença em si porque poderíamos chamar de Deus uma energia que os cientistas chamam de Big Bang.

Mas existe uma diferença entre as duas visões, uma diferença gritante. Quando tratamos o Big Bang como entidade criadora do universo, estamos tirando do cenário qualquer idéia de intencionalidade por parte dessa energia. Essa energia não quis formar o universo, aconteceu por acaso, sem uma intenção consciente. No entanto, quando tratamos de Deus como entidade criadora, atribuímos uma idéia de intencionalidade, de que essa energia teria consciência de que criaria o Universo do jeito como ele é hoje. O ateu acredita que não existiu uma intencionalidade na origem do universo, foi ao acaso, enquanto o deísta acredita que houve uma intencionalidade consciente, não ao acaso.

Veja, no entanto, que isso se trata de uma crença, já que é algo que não podemos provar. Os cientistas não podem voltar no tempo, no momento do início, para ver se existiu um ser consciente. Não temos certeza de nada, é algo em que acreditamos. Assim, como os religiosos acreditam que houve uma intencionalidade, nós ateus acreditamos que não. Portanto a definição dada pelo Aurélio, ímpio (Adj: 1. Que não tem fé, incrédulo, herege.) é errônea.

Acho interessante como as pessoas têm um certo receio com ateus. Geralmente somos vistos como arrogantes, donos da verdade, anárquicos (sim, pois se não seguimos as leis de Deus, não seguimos nenhuma lei, portanto não se pode confiar em um ateu), que são pessoas que não são felizes completamente e alguns outros adjetivos que não me recordo agora.

Primeiramente, quem se diz dono da verdade é o Vaticano. De acordo com a doutrina cristã, apenas a palavra do senhor é a verdade. Em nenhum momento dizemos que somos donos da verdade, apenas acreditamos que o universo não tenha sido intencionalmente criado. Não sabemos a verdade e estamos muito confortáveis com isso. Segundo, não somos anárquicos, seguimos a lei do bom senso, que é, não por coincidência, os mesmos preceitos da doutrina religiosa. Eu não vou roubar porque não quero que ninguém roube nada de mim. Simples assim. Não vou matar ninguém porque isso tem conseqüência prática (alguém pode querer se vingar), psicológica, social, entre muitas outras. E para finalizar, os deístas acreditam que não somos felizes completamente porque não acreditamos no que eles acreditam. E nós é que somos arrogantes?