terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Meu projeto de mundo

Cansei! Cansei desse mundo imperfeito que Deus projetou pra nós! Que espécie de arquiteto ele é pra projetar um mundo desses? Ele se formou na Poli, só pode ser. Eu, um reles mortal, projetaria um mundo melhor, e mais igualitário. Claro que tem gente que vai mencionar aquela velha história de que Eva foi banida do paraíso por comer a maçã e por isso estamos nesse mundo de merda. Mas deixando a historinha de que o mundo surgiu em 7 dias, que Adão surgiu do barro e a mulher da costela dele (que nem de longe é comprovada por fatos), vamos pensar em um Deus que criou o universo lá no início dos tempos e não interveio mais depois, deísmo de Voltaire e Diderot.

Esse negócio de presa e predador, por exemplo. De um lado os predadores com seus dentes afiados, garras, coloração que imita o ambiente, tudo pra conseguir capturar a presa. Do outro lado a presa tem pernas compridas pra fugir, com coloração específica pra se camuflar e não ser vista. De que lado Deus está, afinal? Se for do lado pra predador, por que dar pernas rápidas às presas? E se estiver do lado da injustiçada presa que nada faz além de se alimentar, fugir e se reproduzir, por que dar dentes e garras tão mortais aos predadores?

Por falar em dentes, eu também não criaria a cárie. Hoje em dia não temos muitos problemas com isso porque temos dentista, escova e pasta de dente. Muitos crânios de hominídeos, no entanto, são encontrados com alguns dentes a menos, provavelmente devido à perda deles por complicações odontológicas. Isso foi um problema até a idade média. Deus poderia ter criado alguma substância na nossa saliva capaz de matar bactérias, assim como existe na lágrima; desse modo as bactérias causadoras de pequenos orifícios nos dentes não poderiam proliferar na nossa boca. Por que ele não pensou nisso? E se pensou, ele só criou a cárie para causar dor?

Por que as abelhas têm de deixar parte de seus órgãos internos quando ferroam algum animal e por conseqüência acabam morrendo? Poderíamos argumentar que elas o fazem porque Deus pensou em um modo de puni-las caso elas se mostrassem agressivas demais. Justo. Mas então por que as vespas ferroam suas vítimas sem nenhum tipo de repreensão? Será que Ele queria privilegiar esses animais em detrimento das injustiçadas abelhinhas? Estranho. No meu mundo as abelhas não morreriam ao picar os malvados ursos e outros animais como seres humanos que vão roubar mel! Aliás, elas não picariam, dividiriam de bom grado a grande quantidade de mel de que elas dispõem.

Bom, pra resolver o problema de alimentação no mundo eu faria com que todos os animais fossem herbívoros. Nada mais de comer carne e matar animais porque eles têm sentimentos, não é mesmo (Têm mesmo?)? As plantas, então, não poderiam mais ser duras, nem ter espinhos, nem veneno, nem ter sílica que serve pra desgastar os dentes dos herbívoros, nem serem de difícil acesso. Pra que essa dificuldade toda? Eu faria uma planta macia e suculenta como uma alface, ela cresceria em qualquer clima e teria um gosto espetacular! Não é perfeito? Além disso, ainda colocaria nela todas as vitaminas, sais minerais, carboidratos e proteínas, pra não precisar ficar matando animal por proteína, e ela cresceria que nem mato para não precisarmos ficar tendo tanto trabalho pra encontrar comida. Outra alternativa ainda, seria fazer com que nosso corpo pudesse produzir todos os aminoácidos, inclusive os essenciais, assim eu não precisaria obtê-los através de alimentos protéicos (animal) e poderia produzir todas as proteínas a partir de gordura e glicose. Mas prefiro ficar com minha alface perfeita. Temos que levar em conta ainda que nenhum animal digere celulose. Se as plantas são tão abundantes, por que nenhum animal produz uma enzima que digere o mais abundante carboidrato do planeta? Só algumas bactérias e alguns protozoários flagelados ficam com o direito? Não é justo! Se eu fosse o arquiteto eu faria a enzima celulase animal e todos os animais a teriam. Assim os homens não precisariam mais ficar matando animais de forma tão cruel como eles fazem, poderíamos viver só de plantas.

Os vírus não existiriam. Quem foi que inventou eles? São uns preguiçosos que se reproduzem às custas dos outros! Eles e os parasitas, seriam todos banidos! Os primeiros seriam as vespas que paralisam aranhas com seu veneno e colocam seus ovos dentro delas; as larvas provenientes desses ovos comem a aranha viva, por dentro, lentamente, por dias a fio! Que projetista pensou nisso? Que mente doentia! Sem falar no protozoário da malária que provoca febre de 40º por destruir nossas hemácias, ou os protozoários da Doença de Chagas que comem o músculo cardíaco, ou o bacilo da tuberculose que faz com que cuspamos nosso pulmão pra fora. Não, parasitas não existiriam no meu projeto, cada um teria que conseguir viver por seu mérito próprio.

Se o grande projetista podia fazer qualquer coisa, por que fez tudo tão mal-feito? Pra que tanta estrela, planeta, buracos negros, se a gente não pode ver tudo e se elas não fazem diferença pra nós? E pra quê nove planetas no sistema solar (Plutão ainda é planeta pra mim por motivos emotivos) se Deus ia colocar vida em um só? Se comida fosse disponível para todos, assim como água, uma grande parte da discórdia mundial já seria evitada. Será que o projetista não pensou nisso tudo? Ou será que simplesmente não existe um projetista?

Engraçado que se a gente pensar que o mundo não é perfeito exatamente porque não existe um projetista, tudo faz mais sentido. As presas e os predadores surgiram por co-evolução, um evoluindo no sentido de vencer o outro. Por isso quando um evolui no sentido de ser rápido na fuga, o outro evolui em se camuflar no ambiente pra chegar perto da presa sem ser notado. Se pensarmos que as cáries se devem a bactérias que encontraram alimento em um ambiente onde outros seres não vivem e portanto não têm competidores, pensar que ela foi criada deliberadamente por um projetista não faz tanto sentido.

As abelhas possuem o ferrão ligado aos órgãos internos porque certamente é melhor do que não possuir nenhum elemento de defesa para a proteção do seu precioso mel. No entanto, elas não podiam simplesmente criar um órgão especial pra isso, elas precisariam esperar que mutações aleatórias surgissem e que a seleção natural, aos poucos, fosse selecionando as que eram vantajosas. Infelizmente no caso da abelha, o acaso fez com que o único elemento de defesa fosse uma prolongação dos órgãos, em forma de gancho. Sem contar que o ferrão vermelho que entra na pele e aos poucos pulsa o veneno dentro da vítima são os próprios órgãos internos da abelha! Se ela não os expelisse, morrendo em seguida, o veneno não seria tão eficiente pra afugentar o invasor. Mas por que ela tem que morrer pra realizar tal feito e a vespa não precisa? Porque a seleção natural teve que lidar com o que já existia. A abelha evoluiu num sentido e a vespa em outro, não necessariamente no mais perfeito, mas no melhor possível para ela no momento.

Se existe uma demanda tão grande de planta, por que nenhum animal consegue digerir? Eles tiveram que fazer associações com outros organismos que conseguiam quebrar a celulose para conseguir se alimentar da parede celular dos vegetais. As plantas, por sua vez, evoluem no sentido de impedir que sejam comidas através de espinhos, veneno, látex e sílica que desgasta o dente (entre outros mecanismos de defesa). Os animais evoluem no sentido oposto, como o caso do elefante, que possui três molares gigantescos que vão se desgastando ao longo da vida pelo atrito da sílica da planta com o dente. É quase como mastigar areia. Quando os dentes se desgastam por completo, o elefante não pode mais comer e morre. Não faz sentido pensar que um projetista colocaria, deliberadamente, um empecilho no que certamente vai servir de alimento para o elefante e para outros herbívoros. E o elefante morre de fome! Que espécie de projetista pensaria em fazer um animal que é predestinado pra morrer de fome?

Os vírus e os parasitas se aproveitam de vida já existente pra sobreviver (no caso dos vírus apenas para se replicar). Não existe um porquê de se fazer organismos parasitas, era mais fácil construir animais que pudessem viver independentemente um do outro. Eles existem apenas porque na evolução eles ocuparam um nicho que nenhum outro animal ocupava, podendo sobreviver sem competidores. E ser parasita não é pra qualquer um não! Existe um grupo, o dos Cycloneuralia, que possui uma película de proteção contra o ataque do sistema imunológico do hospedeiro. Nesse grupo se encontram os nematelmintos, lombrigas por exemplo. Não é qualquer animal que pode ser parasita, muitos podem cair no nosso trato digestivo, mas só alguns poucos conseguem sobreviver. Faz todo sentido eles existirem por evolução, mas não por criação consciente. A não ser que você fosse um projetista sádico que gostaria de ver alguns animais, até mesmo humanos, sofrendo enquanto outro organismo cresce em seu interior, às suas custas.

Existem outros exemplos como: Por que colocar olhos atrofiados em animais que vivem em cavernas se eles não vão usar nunca, ao invés de fazer animais sem olhos de uma vez? (Pela evolução, os ancestrais tinham olhos e não usavam, por isso atrofiaram); Por que colocar fendas branquiais no embrião de seres humanos se somos animais estritamente terrestres? (O ancestral dos cordados tinha fendas branquiais que se mantém como órgão vestigial até hoje). Foram poucos exemplos, mas se olharmos atentamente para a natureza, podemos ver que tudo nela faz mais sentido à luz da evolução e da seleção natural do que da criação consciente, exatamente porque por mais que achemos que a natureza é perfeita, se pararmos pra analisar, veremos que ela não é. Ela continua sim sendo fantástica e objeto de nosso fascínio, mas não perfeita. Se um criador com tanta onisciência e onipotência poderia fazer algo tão perfeito e não o fez, ele é, no mínimo, incompetente! Por outro lado, se pensarmos que a evolução se deu sem um propósito, ao acaso, essas imperfeições seriam completamente plausíveis e aceitáveis, afinal de contas, não havia ninguém ditando as regras (a não ser a seleção natural).

Por fim, se ainda formos pensar num ser supremo que criou o universo ele com certeza não é tão bom quanto as religiões pregam. Se ele foi capaz de criar animais que se alimentam de outros enquanto estão vivos, ou animais que estão predestinados a morrer de fome, ele deve ser ou um cara realmente malvado, ou um ser possuidor de um humor muito negro.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Só mais um conto

Era sempre a mesma coisa, o que você veio fazer, quanto tempo vai ficar, vamos sair um dia desses. Já não tinha paciência para conhecer novas pessoas, visto que havia há algum tempo tinha feito alguns amigos sólidos, com os quais morava. Depois de um mês essas pessoas iam-se e novas viriam contar exatamente as mesmas coisas, com a mesma empolgação que os que partiram tinham quando chegaram. Chega uma idade da vida da pessoa em que ela acha, ingenuamente, que já conheceu todos os tipos de pessoas, que ninguém mais irá lhe causar grande impacto. Sentia saudade dos seus velhos amigos, passou a dar importância para a família. Sentia-se novo.

Naquele começo de mês, tudo se renovava, como de costume. Novos membros se incorporaram à fantasia da cidade, à rotina semanal, ao deslumbramento passageiro; outros partiam para nunca mais serem vistos. Ia-se arrastado ao seu compromisso diário, que já tratava displicentemente. Era, no entanto, um compromisso, deveria honrá-lo. A passos pesados, lutando contra o vento frio entrando por debaixo do cachecol, o único conforto era o cheiro do ar gelado de que ele tanto gostava. Tinha um gosto peculiar por pequenos prazeres. Gostava do chuvisco molhando seu cabelo, gostava de ver as pessoas de preto, mal vestidas por roupas de grife, gostava de se sentir livre do julgamento de olhos curiosos ao seu lado. Estava confortável em seu pequeno exílio interior.

Comprou um café para espantar o sono e o frio, gostava de um bom café logo de manhã. Seguiu seu rumo, digitou a senha para entrar, preferiu as escadas ao elevador. Chegando à classe, foi conhecer as pessoas que destinaram a ele esse ano, além dos amigos feitos já há algum tempo, haveria de ter novos rostos. Atrasado como de costume, analisou as possibilidades, julgou as aparências, se deteve ao seu mundinho confortável de sempre. Não queria mesmo se envolver. Era, apesar de muito observador, uma pessoa que não gostava de se misturar, não deixava as pessoas entrarem em sua vida facilmente, todas eram desinteressantes até que se provasse o contrário. Ao longo do dia, no entanto, percebeu um olhar, um sorriso diferente vindo de uma garota do outro lado da sala, mas esta não lhe atraiu. Usava uma camiseta da faculdade que ela cursava, o que mostrava que era brasileira, e ligeiramente afortunada financeiramente. Tinha um sorriso bonito que se acentuava por uma covinha na bochecha direita, olhos bem delineados, cabelo castanho incrivelmente liso e bem cuidado. Era bonita, mas não tinha sido realmente atraído por ela; não à primeira vista, pelo menos.

Aos poucos toda a barreira é sobrepujada. Em meio à necessidade de se comunicar, aquele primeiro sorriso reaparece como algo intrigante, que aguça seu instinto inquisidor. Queria saber sobre o que pensava, do que gostava e, principalmente, do que ela não gostava. Tinha para si que se impressiona mais pelos defeitos que não possui do que pelas qualidades que se tem. Somente não ter defeitos não é suficiente, obviamente, tem de haver também algo a mais, algo que o diferencie, alguma qualidade que satisfaça. O mistério que o circundava por ser calado e reservado resolvia o problema de forma bem razoável, tornava-o diferente dos demais. Esforçava-se para manter essa imagem.

Começaram então a ser amigos, ela era interessante afinal. Gostavam de conversar um com o outro, tinham já aquela cumplicidade no olhar, típica de amigos de longa data. Olhavam um para o outro, com um sorriso de conhecimento de causa, entre risadas sinceras, curiosidade e admiração. Tinham gostos em comum. Gostava de ouvi-la, o que não era corriqueiro; mais estranho ainda era que ele, na sua anti-socialidade costumeira, desatava a dizer das suas coisas, talvez por saber que ela se importava e se interessava pelo o que ele tinha a dizer. Dias e dias de encontros, os dois lados teimando por um empate, nenhum dos dois dava o braço a torcer. Não ousariam ceder. Foram ao teatro, em assentos distantes, apesar de ele esperar angustiadamente sua chegada. Esforçava-se para não deixar transparecer suas emoções. Saíram outras vezes e o sentimento ia crescendo, se fortalecendo. Sentia-se, no entanto, inseguro. Achava-a linda, independente e incrivelmente interessante, não imaginava encontrar alguém como ela, uma parte nova em sua vida já não tão segura, como uma flor colorida no seu mundinho preto e branco. Talvez fosse sua insegurança que o impedia de dizer tudo isso a ela, talvez fossem fantasmas de relacionamentos passados que todos carregam consigo e que atormentam até mesmo as almas mais seguras de si que o impelia a não tomar uma atitude. Não se sabia direito os motivos, mas levava a situação sem muita pretensão.

O inevitável tenderia a florescer. Um daqueles encontros nada fabricados, pouco calculados, em que o momento certo para que as coisas aconteçam nunca fica bem delimitado até que aconteçam de fato. Uma situação nada planejada que culminou em um perfeito fim. De um encontro de muitas variáveis e muitos personagens, restaram apenas os atores principais, que se preparavam para o último ato. No princípio tudo era meio nebuloso, uma sensação de incredulidade com um misto de conquista, mas tudo se encaixou bem, como num roteiro, e ele constatou que, por mais inusitado que fosse, tivera sido bom, incrivelmente bom. Ao som de uma banda ao vivo que tocava a música favorita da garota, engolfou um gole de coragem e, num beijo demorado e ousado, de entrega, selava aquela química perfeita que emanava dos dois. Haviam cedido à vontade maior, mesmo inesperada, deixando-se levar por aquele momento raro, por àquela afinidade ímpar, que duraria o tempo de um romance de verão.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

O sentido da vida

Tudo bem então, dando prosseguimento ao texto anterior, a presença dos seres humanos na Terra é pura sorte. A vida, por outro lado, não é, ela é uma decorrência natural das leis da química e da física dentro de certas condições específicas. Então aquelas velhas questões sobre “Qual o sentido da vida?”, “Para que estamos aqui?”, que as religiões insistem em dizer que a ciência não consegue responder, ganham outro caráter. Elas simplesmente não fazem sentido de serem perguntadas.

Voltemos aos primórdios da história da vida na Terra. Existia algo que poderia ser chamado de precursor da célula, um punhado de moléculas que possuíam a capacidade de se dividir e produzir cópias fiéis de si mesmas. Agora imaginem que essa protocélula (nome que eu dei pra esse ser precursor da vida) esteja nadando tranqüilamente quando resolve dividir. Resolve dividir? Acredito que esse indivíduo não resolveu dividir, mesmo porque não tinha motivo aparente para ele fazer isso (nem mesmo se tratava de um indivíduo). Ela não o fez para perpetuação do seu genoma, as bactérias vivem indefinidamente, não precisam se dividir como organismos que fazem reprodução sexuada. Ela simplesmente dividiu por nenhum motivo. Provavelmente a divisão ocorreu por uma necessidade daquela protocélula no sentido de se tornar mais estável, bioquimicamente falando. Percebem que não faz sentido fazer a famigerada pergunta “Qual o sentido da vida”? Ninguém disse que ela necessariamente precisa ter um sentido. Não precisa. Portanto a ciência não responde essa pergunta porque, em primeira instância, ela não tem nem porquê ser perguntada! A pergunta certa a se fazer seria: “A vida necessita de um sentido?” E a resposta seria um não bem enfático.

A segunda pergunta “Para que estamos aqui?” também é algo que não faz sentido, visto que a presença do ser humano no planeta é totalmente fortuita (ver texto anterior). Então não temos que estar aqui por algum motivo. Nossa idéia antropocêntrica de importância é que nos dá essa falsa impressão. É bem verdade que pro universo a sua presença, ou a minha, ou a de toda a humanidade não faz diferença nenhuma, mas para as pessoas ao meu redor, a minha existência faz muita diferença , e isso basta! Não precisamos de uma importância maior que essa, ser importante para as pessoas de que gostamos é completamente satisfatório. Pelo menos pra mim.

Entendo que para muitas pessoas essa idéia soe estranha e até assustadora. Tenho um amigo que dizia que se ele acreditar que não existe nenhum sentido na nossa existência, ele faria sempre o que quisesse, sem moral nem ética, poderia se matar, entre outros absurdos. Claro que ele teria que lidar com as conseqüências dos seus atos. Mas tem uma parte que eu acho que eu não entendi: Com qual raciocínio ele diz que não existir um sentido específico para nossas vidas faz com que tenhamos obrigatoriamente que nos tornar seres anárquicos e amorais?

Então, como viver bem com a idéia de que não há um sentido pra vida e que não há motivo para nós humanos estarmos aqui? É simples. Como não há um sentido específico, isso significa que temos liberdade incondicional sobre qual sentido nossa vida virá a ter. Claro que lidamos com as conseqüências dessa escolha, roubar tem uma conseqüência direta que seria punida de acordo com as leis da sociedade. No entanto, se nos dedicamos a ajudar, a organizar, a fazer o mundo ao seu redor funcionar de uma forma harmoniosa, isso trará conseqüências imediatas e de mesmo caráter! Eu sei que essas palavras que usei parecem as que são usadas em livros de auto-ajuda, e na verdade acho que são mesmo, mas a idéia não é fazer você se sentir melhor com o fato da vida não ter um sentido, é apenas de você aceitar que as coisas são assim e conseguir lidar com isso. Aceitação é o primeiro passo. Ou aceitamos que temos todo dia que trabalhar e tentamos tirar algum proveito, alguma diversão, ou reclamamos sobre isso todos os dias de nossas vidas. Se eu achar que meu sentido é compor músicas, pintar quadros, aplicar dinheiro na bolsa de valores, qualquer que seja ele, ele é válido! E se algum dia eu me cansar do sentido que eu escolhi, eu posso simplesmente escolher outro, pois cada um faz seu próprio sentido da vida. E essa é a beleza da vida, ser livre pra escolher!

Pra terminar esse texto de auto-ajuda para ateus, deixo duas frases que hoje se encontram no meu profile do orkut, que são muito coerentes porque se pensarmos em todos os espermatozóides do seu pai que tentaram fecundar o óvulo da sua mãe, de milhões e milhões, você foi o único que conseguiu vingar, dentre tantos indivíduos em potencial que morreram. Então simplesmente aproveite o que o acaso te deu.


"Nós vamos morrer, e isso nos torna afortunados. A maioria das pessoas nunca vai morrer, porque nunca vai nascer. As pessoas potenciais que poderiam estar no meu lugar, mas que jamais verão a luz do dia, são mais numerosas que os grãos de areia da Arábia. Certamente esses fantasmas não nascidos incluem poetas maiores que Keats, cientistas maiores que Newton. Sabemos disso porque o conjunto das pessoas permitidas pelo nosso DNA excede em muito o conjunto de pessoas reais. Apesar dessas probabilidades assombrosas, somos eu e você, com toda a nossa banalidade, que aqui estamos..."¹

"Nós, uns poucos privilegiados que ganharam na loteria do nascimento, contrariando todas as probabilidades, como nos atrevemos a choramingar por causa do retorno inevitável àquele estado anterior, do qual a enorme maioria jamais nem saiu?"²

¹ – “Desvendando o arco íris”, Richard Dawkins
² – “Deus, um delírio”, Richard Dawkins