sexta-feira, 25 de abril de 2008

Seleção de Espécie

Computadores, automóveis, agricultura, eletricidade, tecnologias que nos possibilitaram resolver problemas e longevizar nossa existência na Terra. No começo da nossa história a expectativa de vida de um ser humano era cerca de 50 anos, enquanto que nos dias atuais essa expectativa chega em torno 80 anos, um aumento significativo, 30 anos a mais de vida! Isso sem contar na qualidade dessa vida: higiene, alimentação, lazer, informação e conforto que desenvolvemos ao longo dos anos. Existe uma causa simples pela qual conseguimos adiar nosso retorno ao nosso estado primitivo e inerte de outrora, o homem conseguiu, ao longo dos anos, “afrouxar” a pressão da seleção natural que atuava na espécie.

Basicamente o que limita o crescimento de um ser vivo, ou seja, onde a seleção natural atua, são três elementos: recursos (alimento, água, material para fazer ninhos etc.), predadores (e parasitas) e espaço. Com a invenção da agricultura e a canalização de rios o homem resolveu seu primeiro problema, o de obter recursos vitais para a sobrevivência; a utilização de ferramentas garantiu soberania sobre os outros animais e por isso não teve mais que se preocupar com possíveis predadores, enquanto que os parasitas foram sendo combatidos com remédios cada vez mais eficazes; e por mais que tenhamos ocupado quase todos os ambientes da Terra, ainda há algum espaço disponível para termos mais pessoas. A bem da verdade é que todos os seres humanos caberiam em um cubo de 1km³, portanto espaço ainda não é problema. Sob esse prisma, vemos que a seleção natural, tão implacável no começo da civilização humana, já não exerce uma forte pressão seletiva no sentido de beneficiar a sobrevivência do mais apto, quase qualquer ser humano é capaz de transmitir seus genes.

Mas quais seriam os fatores que a pressão seletiva tenderia a beneficiar na espécie humana? Dentre outros fatores também importantes, privilegiarei um volume cerebral maior que o dos outros animais e nossa postura ereta sobre duas patas, o que liberou nossa mão com polegar opositor para construir ferramentas e arremessar objetos (nenhum animal arremessa objetos com a mesma destreza que nós humanos). Uma boa capacidade de comunicação nos permitiu ensinar aos nossos filhos tecnologias e conhecimento que foram passados por gerações a fio. Logo, os seres humanos foram selecionados no sentido de serem mais inteligentes e serem bons caçadores.

Nos dias atuais, no entanto, ser bom caçador e ter mais inteligência não prevê que você terá maior sucesso reprodutivo como no começo da civilização humana. Devido à descoberta da penicilina (alegoria para todos os avanços da medicina), da energia elétrica, do petróleo como combustível, a seleção genética na nossa espécie perdeu sua importância. Isso não quer dizer que o ser humano parou de evoluir no sentido estrito da evolução, mesmo porque evoluir significa simplesmente mudança. Também não quer dizer que ter genes diferentes no pool gênico da espécie não faz mais diferença, é importante ainda termos variabilidade, não sabemos o que nos aguarda no futuro. Mesmo assim, milhares de pessoas nascem todos os dias, muitos genes mutantes ruins e deletérios aparecem, mas, em muitos casos, não mais determinam a morte dos indivíduos portadores, graças à intervenção da medicina e das descobertas da ciência.

Faço uma pausa aqui para esclarecer, antes que seja mencionado, que por mais que digam que o que existe hoje é uma seleção economia e não uma seleção natural, pode ser que seja uma afirmação equivocada. Concordo que ter dinheiro permite melhor cuidado parental, mas geralmente pessoas ricas têm um, dois ou nenhum filho enquanto que pessoas de baixa renda têm mais filhos, de 3, 4 ou mais. Os ricos então são estrategistas K (poucos filhos e muito cuidado parental) e os menos afortunados financeiramente são estrategistas R (muitos filhos e pouco cuidado parental). Vê-se então que nesse caso também não importa qual a sua renda, as chances de transmissão de genes na espécie humana não segue mais nenhum tipo de seleção, nem mesmo a econômica. Não estou entrando no mérito de qualidade de vida, e simplesmente de passagem dos genes para a próxima geração.

O que aconteceu então com os seres humanos que deveriam ser os mais adaptados da espécie humana no passado se eles não são mais selecionados positivamente pela seleção natural? Estão por aí vivendo entre todos os outros que não possuem essas características, mas que possuem outras que também são importantes no mundo de hoje. Os melhores caçadores do passado podem ser hoje atletas, ou corretores de imóveis, ou um motorista de ônibus, ou um engenheiro. Não existe por que eles estarem obrigatoriamente inseridos em um evento de esporte, mas pode ser que estejam. E se estiverem, provavelmente eles irão se sobressair sobre os outros, visto que eles têm maior vigor físico, maior capacidade pulmonar, mais músculos, maior quantidade de produção de hormônios esteróides, ou qualquer outra característica que fariam deles bons caçadores. Não me espantaria se os encontrasse entre os atletas que batem os recordes mundiais. Os mais inteligentes, por sua vez, poderiam ser um físico renomado, ou um fotógrafo, ou um guitarrista de uma banda de rock, ou uma atriz. Não necessariamente eles estarão inseridos em um evento intelectual, mas pode ser que estejam. E se estiverem, provavelmente vão contribuir significativamente para o conhecimento humano. Entre esses indivíduos se encontram Galileu, Mozart, Newton, Darwin, Einstein, e outros grandes gênios da humanidade; não me espantaria encontrá-los também entre os inventores dos microprocessadores, da fibra ótica e do telégrafo, por exemplo.

O ponto onde quero chegar é que os seres humanos que tenderiam a passar seus genes adiante por terem sido os melhores adaptados no passado não realizam mais essa tarefa, eles permitem que toda a humanidade passe seus genes adiante de um modo mais efetivo ao descobrir tecnologias, meios de longevidade e qualidade de vida. A Ciência é o principal motor para que isso aconteça: a eletricidade, descoberta por Graham Bell, não fez com que ele passasse mais eficientemente seus genes adiante, mas sim os genes de toda a espécie humana! A penicilina, descoberta por Pasteur, fez com que as chances de cura por tuberculose, se tratada corretamente, passassem de zero a muito alta (60 milhões são infectados anualmente e cerca de 2,5 milhões morrem).

Confesso que me admira ainda hoje, século XXI, com toda a informação existente, toda a história humana, toda a tecnologia, ainda haver pessoas que negligenciam a educação, o meio ambiente, a qualidade de vida, e a importância de reconhecermos as pessoas como iguais independentemente de credo, sexo e cor. As pessoas ainda se vêem surpresas ao ver um país ter como candidatos à presidência um negro e uma mulher quando deveriam achar normal que isso acontecesse. Talvez por isso eu seja meio pessimista em relação ao futuro da humanidade. A evolução do ser humano foi, dentre outras características, direcionada no sentido de um maior volume cerebral, conseqüentemente a um raciocínio mais apurado, e acho realmente um desperdício ver tantas pessoas relutantes na atividade de pensar. Não que pensar vá nos garantir mais descendentes, mas talvez assegure um planeta pra podermos viver no futuro.