terça-feira, 25 de maio de 2010

Amor em Tempos de Liquidação

“O apaixonado começa enganando a si mesmo
e acaba enganando os outros.
É a isto que o mundo dá o nome de romantismo.”
(Oscar Wilde)

Gruber, nosso personagem, entra em uma empresa pra trabalhar e conhece uma mulher, dentre muitas outras que poderia conhecer. Acontece que essa mulher era simplesmente mulher do chefe dele, diretor do banco! Algo rolou entre os dois. Conversas mais longas, aqueles olhares cúmplices, acabam por se envolver. Foi um acontecimento relevante na vida da garota, já que ela larga o marido e resolve ficar com o estagiário que, mais tarde, viria a pedir demissão. Ela desiste de uma vida confortável e segura para fazer o que ela achava estar certo, seguir sua felicidade. A mãe dessa menina, no entanto, não aceita de bom grado a decisão da filha e não a deixa voltar para casa. Ela então vai morar com o namorado na casa do pai por um momento e logo depois se mudam para uma casa alugada. Às vezes ela, quando passeia pelo shopping, ainda sente vontade de comprar algo mais chique, mais caro, mas sabe que não pode. Ainda assim, ela está feliz.

Não, eu não tirei essa história de um filme de sessão da tarde, em que todos vivem felizes para sempre, é uma história verdadeira. Conheço, inclusive, o sujeito que a protagoniza! Ele me serve de exemplo para introduzir o assunto do qual pretendo tratar aqui.

Vejamos, qual a real importância do dinheiro para que as fêmeas da espécie humana se predisponham a escolher aquele macho como único provedor de recursos para ela e seus rebentos? Em outras palavras, será que as mulheres, no nosso atual mundo capitalista, procuram dinheiro mais do que amor?

Existe uma pesquisa que foi feita nos Estados Unidos para averiguar qual o motivo pelo qual as mulheres e os homens escolhem seus parceiros. Existem milhares de variáveis que podem ser considerados nesse caso, como etnia, status social, cheiro, valores sociais, entre muitos outros. Existem inclusive pesquisas que demonstram que os parceiros se escolhem pelas diferenças existentes entre seus respectivos sistemas imunes! Mas o que foi declarado nessa pesquisa pelas mulheres é que elas preferiam homens mais velhos e mais ricos. Quando essa pesquisa era feita com um entrevistador, o número de mulheres que respondiam que o mais importante era dinheiro chegava a 38%. Quando era conversa entre amigas, mais informal, esse número chegava a subir para 79%! (números aproximados) Seria somente isso então? Dinheiro? Para os homens, os quesitos pela escolha da parceira eram diferentes, eles escolhiam mais beleza e juventude. Olha como os recursos públicos nos Estados Unidos são bem gastos, a pesquisa concluiu algo que todo mundo já sabia! Homens querem mulheres jovens e bonitas, e mulheres querem homens mais velhos e ricos!

No entanto vieram pessoas para questionar a validade da pesquisa, provavelmente mulheres revoltadas e românticos inveterados. Eles alegavam que a pesquisa havia sido feita em uma sociedade ocidental, baseada no capitalismo, que em outras sociedades os valores seriam diferentes. Fizeram então a pesquisa em 37 diferentes culturas, seis continentes, cinco ilhas, indo do Alaska à Zuzulândia. Qual o resultado? O mesmo! Homens querem mulheres jovens e bonitas e mulheres querem homens mais velhos e ricos. No Japão esse resultado foi o mais acentuado, e na Holanda o menos acentuado, mas sempre o mesmo.¹ Isso então quer dizer que as mulheres só querem dinheiro e que o amor é uma falácia inventada pelo capitalismo para vender flores e bombons no dia dos namorados? Tenho minhas dúvidas.

Do ponto de vista biológico o amor nada mais é que um monte de reações químicas no seu cérebro. Talvez seja ruim pensar desse modo porque as pessoas idealizam o amor como algo mágico, algo lindo, e não um monte de reações químicas. Dizem ainda que os cientistas são insensíveis por tirarem a beleza dos sentimentos tentando explicá-los racionalmente. Mas na verdade se você pensar ao contrário, que um monte de reações químicas pode gerar algo tão bonito como o amor, você poderá ver um pouco de beleza na química (forcei a amizade agora?).

Enfim, existem três mecanismos cerebrais que controlam o amor nos seres humanos: luxúria, paixão/romance e ligação.² A luxúria está ligada ao hormônio testosterona, tanto em homens quanto em mulheres. A paixão, por sua vez, é controlada pela dopamina, mesma molécula responsável pelo vício. Há um estudo que mostra que a área cerebral que se ativa quando uma pessoa vê uma foto da pessoa amada é a mesma de uma pessoa que consome cocaína. Portanto existe sim uma dependência química à pessoa amada, assim como crises de abstinência. Experimente ficar meses longe da pessoa por quem você é apaixonada para comprovar essa hipótese!

O terceiro mecanismo, Ligação, é controlado pela ocitocina na mulher e vasopressina nos homens. Existem estudos que mostraram que a ocitocina ainda é responsável pela fidelidade. Esses estudos feitos com ratos, e posteriormente com seres humanos, mostraram que quanto mais receptores para esse hormônio, mais fiéis serão seus companheiros. Fizeram inclusive ratos que se comportavam poligamicamente na natureza se tornarem monogâmicos alterando a concentração de ocitocina no cérebro deles! Nos seres humanos encontraram resultados similares. Homens com poucos receptores de ocitocina tendem a ter mais casos extraconjugais e quase todos os pesquisados já tinham se divorciado pelo menos uma vez. Além disso eram pais menos atenciosos que os homens com muitos receptores de ocitocina.

Mas então onde entra o dinheiro nesse monte de reação química? Saindo um pouco da parte biológica e indo para a parte social, acredito que essa idéia de o dinheiro falar mais alto do que o amor vem da época em que a família do marido tinha que pagar um valor em dinheiro para poder casar com a garota da outra família, conhecido como dote. Apesar desse costume ainda existir em algumas culturas, na nossa sociedade ocidental isso já é algo do passado. Quando as feministas resolveram queimar os sutiãs e começaram a participar do mercado de trabalho, elas indiretamente fizeram com que os casamentos passassem a ser menos focados no dinheiro, já que elas poderiam não mais depender financeiramente do marido. Isso culminou na chance de escolha do parceiro não mais por quanto dinheiro ele poderia dar, mas pela afinidade, cumplicidade, química e, em última instância, por amor! Mas o amor é suficiente para manter uma relação ou o fator financeiro ainda pesa muito?

Em marketing existe uma tal de Pirâmide de Maslow. Ela define as necessidades que as pessoas têm durante a vida. O primeiro degrau da pirâmide seria a fisiologia: comida, água, sono e outros atributos básicos de sobrevivência. O segundo passo, depois de suprir as necessidades fisiológicas, seria a segurança: no emprego, de recursos, da família, da saúde, de propriedade. Isso antigamente era provido pelos homens, segurança financeira, segurança de propriedade. Hoje em dia as mulheres conseguem suprir essas necessidades por si mesmas e podem ir para o próximo passo: relacionamento/amor: amizade, família, intimidade sexual. Portanto se a mulher tem segurança no emprego, e obtenção de recursos, ela pode se dar ao luxo de procurar um parceiro que ela ame de verdade, mesmo que ele não tenha tanto dinheiro assim.

Do lado do amor, portanto, temos a paixão e a atração como fatores emotivos consideráveis, a entrada da mulher ao mercado de trabalho com consequente menor dependência financeira do marido, a ocitocina que mantém o casal coeso, sistemas imunes diferentes; também existe o fato do amor ativar a área responsável pelo vício. Somando todas essas variáveis, quais trunfos teria o dinheiro para ganhar esse embate? Segurança com certeza é um deles. Porém, na realidade, a pesquisa inicial foi feita em cima de opinião de pessoas e, francamente, o que as pessoas sabem a respeito de se apaixonar? Que controle temos quando os sininhos tocam, quando os pássaros cantam na janela ou quando o sol brilha mais? Não temos nenhum controle, é algo que simplesmente acontece! Aposto que no meio de um monte de mulher que respondeu à pesquisa, muitas delas namoravam rapazes que não eram ricos, ou que nunca seriam! É claro que todas querem o ideal do marido rico, lindo, bom de cama e por quem você seja apaixonada, mas no mundo real isso não é tão fácil de acontecer. Há estudos que mostram que os filmes de romance são responsáveis por tornar infelizes as pessoas que os assistem porque as pessoas veem aquelas histórias como ideal de relacionamento. Obviamente nenhum relacionamento real pode competir com diálogos perfeitos, pores de sol sem nuvens num campo verde, ou declarações de amor debaixo de chuva. Até poderia, mas as pessoas acham que isso tem que acontecer sempre e acabam por se frustrar quando não ocorre. Pode ser que problema seja colocar expectativa demais logo no começo de um namoro. Na Índia, onde 95% dos casamentos são arranjados, o nível de satisfação e amor são maiores que no ocidente.³ Talvez porque por não conhecer a pessoa com quem se irá casar, não exista expectativa de que aquilo dará certo, o amor vai aumentando aos poucos. Isso mostra como a cultura pode influenciar consideravelmente como os relacionamentos se desdobram, e não somente a parte biológica.

Eu sou um romântico, acredito no amor pra sempre. Talvez porque tenha visto muitos filmes da Meg Ryan, talvez porque estou inserido em uma cultura monogâmica católica, onde o casamento é sagrado e almejado por todos os membros da sociedade. Mesmo sendo ateu sei que a cultura influenciou muito os meus valores. Existem pesquisas que dizem que o tempo de um relacionamento é de 7 anos, depois disso a bioquímica do corpo deixa de aceitar a condição monogâmica e passa a se desinteressar pelo parceiro atual, dando origem, algumas vezes, ao divórcio. Mas sabem também que existem exceções, casais apaixonados que mesmo depois de muitos anos juntos exibem o mesmo comportamento de taquicardia e apreensão que no começo do namoro. Talvez eu seja a exceção para a qual os cientistas não têm explicação; mais provável que não, estatisticamente falando. Mas acho que eu prefiro acreditar que o amor ainda possui seu lugar em um mundo onde o dinheiro compra estilos de vida, valores e até afeto. Acredito que o Gruber concordaria comigo.

1 - "O que nos faz humanos" - Matt Ridley
2 - "Super interessante" - 05/2010
3 - "Super interessante" - 05/2010

Agradeço ao Luiz, Sesé, Cris e Eek que me ajudaram a construir esse texto.

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