terça-feira, 25 de maio de 2010

Amor em Tempos de Liquidação

“O apaixonado começa enganando a si mesmo
e acaba enganando os outros.
É a isto que o mundo dá o nome de romantismo.”
(Oscar Wilde)

Gruber, nosso personagem, entra em uma empresa pra trabalhar e conhece uma mulher, dentre muitas outras que poderia conhecer. Acontece que essa mulher era simplesmente mulher do chefe dele, diretor do banco! Algo rolou entre os dois. Conversas mais longas, aqueles olhares cúmplices, acabam por se envolver. Foi um acontecimento relevante na vida da garota, já que ela larga o marido e resolve ficar com o estagiário que, mais tarde, viria a pedir demissão. Ela desiste de uma vida confortável e segura para fazer o que ela achava estar certo, seguir sua felicidade. A mãe dessa menina, no entanto, não aceita de bom grado a decisão da filha e não a deixa voltar para casa. Ela então vai morar com o namorado na casa do pai por um momento e logo depois se mudam para uma casa alugada. Às vezes ela, quando passeia pelo shopping, ainda sente vontade de comprar algo mais chique, mais caro, mas sabe que não pode. Ainda assim, ela está feliz.

Não, eu não tirei essa história de um filme de sessão da tarde, em que todos vivem felizes para sempre, é uma história verdadeira. Conheço, inclusive, o sujeito que a protagoniza! Ele me serve de exemplo para introduzir o assunto do qual pretendo tratar aqui.

Vejamos, qual a real importância do dinheiro para que as fêmeas da espécie humana se predisponham a escolher aquele macho como único provedor de recursos para ela e seus rebentos? Em outras palavras, será que as mulheres, no nosso atual mundo capitalista, procuram dinheiro mais do que amor?

Existe uma pesquisa que foi feita nos Estados Unidos para averiguar qual o motivo pelo qual as mulheres e os homens escolhem seus parceiros. Existem milhares de variáveis que podem ser considerados nesse caso, como etnia, status social, cheiro, valores sociais, entre muitos outros. Existem inclusive pesquisas que demonstram que os parceiros se escolhem pelas diferenças existentes entre seus respectivos sistemas imunes! Mas o que foi declarado nessa pesquisa pelas mulheres é que elas preferiam homens mais velhos e mais ricos. Quando essa pesquisa era feita com um entrevistador, o número de mulheres que respondiam que o mais importante era dinheiro chegava a 38%. Quando era conversa entre amigas, mais informal, esse número chegava a subir para 79%! (números aproximados) Seria somente isso então? Dinheiro? Para os homens, os quesitos pela escolha da parceira eram diferentes, eles escolhiam mais beleza e juventude. Olha como os recursos públicos nos Estados Unidos são bem gastos, a pesquisa concluiu algo que todo mundo já sabia! Homens querem mulheres jovens e bonitas, e mulheres querem homens mais velhos e ricos!

No entanto vieram pessoas para questionar a validade da pesquisa, provavelmente mulheres revoltadas e românticos inveterados. Eles alegavam que a pesquisa havia sido feita em uma sociedade ocidental, baseada no capitalismo, que em outras sociedades os valores seriam diferentes. Fizeram então a pesquisa em 37 diferentes culturas, seis continentes, cinco ilhas, indo do Alaska à Zuzulândia. Qual o resultado? O mesmo! Homens querem mulheres jovens e bonitas e mulheres querem homens mais velhos e ricos. No Japão esse resultado foi o mais acentuado, e na Holanda o menos acentuado, mas sempre o mesmo.¹ Isso então quer dizer que as mulheres só querem dinheiro e que o amor é uma falácia inventada pelo capitalismo para vender flores e bombons no dia dos namorados? Tenho minhas dúvidas.

Do ponto de vista biológico o amor nada mais é que um monte de reações químicas no seu cérebro. Talvez seja ruim pensar desse modo porque as pessoas idealizam o amor como algo mágico, algo lindo, e não um monte de reações químicas. Dizem ainda que os cientistas são insensíveis por tirarem a beleza dos sentimentos tentando explicá-los racionalmente. Mas na verdade se você pensar ao contrário, que um monte de reações químicas pode gerar algo tão bonito como o amor, você poderá ver um pouco de beleza na química (forcei a amizade agora?).

Enfim, existem três mecanismos cerebrais que controlam o amor nos seres humanos: luxúria, paixão/romance e ligação.² A luxúria está ligada ao hormônio testosterona, tanto em homens quanto em mulheres. A paixão, por sua vez, é controlada pela dopamina, mesma molécula responsável pelo vício. Há um estudo que mostra que a área cerebral que se ativa quando uma pessoa vê uma foto da pessoa amada é a mesma de uma pessoa que consome cocaína. Portanto existe sim uma dependência química à pessoa amada, assim como crises de abstinência. Experimente ficar meses longe da pessoa por quem você é apaixonada para comprovar essa hipótese!

O terceiro mecanismo, Ligação, é controlado pela ocitocina na mulher e vasopressina nos homens. Existem estudos que mostraram que a ocitocina ainda é responsável pela fidelidade. Esses estudos feitos com ratos, e posteriormente com seres humanos, mostraram que quanto mais receptores para esse hormônio, mais fiéis serão seus companheiros. Fizeram inclusive ratos que se comportavam poligamicamente na natureza se tornarem monogâmicos alterando a concentração de ocitocina no cérebro deles! Nos seres humanos encontraram resultados similares. Homens com poucos receptores de ocitocina tendem a ter mais casos extraconjugais e quase todos os pesquisados já tinham se divorciado pelo menos uma vez. Além disso eram pais menos atenciosos que os homens com muitos receptores de ocitocina.

Mas então onde entra o dinheiro nesse monte de reação química? Saindo um pouco da parte biológica e indo para a parte social, acredito que essa idéia de o dinheiro falar mais alto do que o amor vem da época em que a família do marido tinha que pagar um valor em dinheiro para poder casar com a garota da outra família, conhecido como dote. Apesar desse costume ainda existir em algumas culturas, na nossa sociedade ocidental isso já é algo do passado. Quando as feministas resolveram queimar os sutiãs e começaram a participar do mercado de trabalho, elas indiretamente fizeram com que os casamentos passassem a ser menos focados no dinheiro, já que elas poderiam não mais depender financeiramente do marido. Isso culminou na chance de escolha do parceiro não mais por quanto dinheiro ele poderia dar, mas pela afinidade, cumplicidade, química e, em última instância, por amor! Mas o amor é suficiente para manter uma relação ou o fator financeiro ainda pesa muito?

Em marketing existe uma tal de Pirâmide de Maslow. Ela define as necessidades que as pessoas têm durante a vida. O primeiro degrau da pirâmide seria a fisiologia: comida, água, sono e outros atributos básicos de sobrevivência. O segundo passo, depois de suprir as necessidades fisiológicas, seria a segurança: no emprego, de recursos, da família, da saúde, de propriedade. Isso antigamente era provido pelos homens, segurança financeira, segurança de propriedade. Hoje em dia as mulheres conseguem suprir essas necessidades por si mesmas e podem ir para o próximo passo: relacionamento/amor: amizade, família, intimidade sexual. Portanto se a mulher tem segurança no emprego, e obtenção de recursos, ela pode se dar ao luxo de procurar um parceiro que ela ame de verdade, mesmo que ele não tenha tanto dinheiro assim.

Do lado do amor, portanto, temos a paixão e a atração como fatores emotivos consideráveis, a entrada da mulher ao mercado de trabalho com consequente menor dependência financeira do marido, a ocitocina que mantém o casal coeso, sistemas imunes diferentes; também existe o fato do amor ativar a área responsável pelo vício. Somando todas essas variáveis, quais trunfos teria o dinheiro para ganhar esse embate? Segurança com certeza é um deles. Porém, na realidade, a pesquisa inicial foi feita em cima de opinião de pessoas e, francamente, o que as pessoas sabem a respeito de se apaixonar? Que controle temos quando os sininhos tocam, quando os pássaros cantam na janela ou quando o sol brilha mais? Não temos nenhum controle, é algo que simplesmente acontece! Aposto que no meio de um monte de mulher que respondeu à pesquisa, muitas delas namoravam rapazes que não eram ricos, ou que nunca seriam! É claro que todas querem o ideal do marido rico, lindo, bom de cama e por quem você seja apaixonada, mas no mundo real isso não é tão fácil de acontecer. Há estudos que mostram que os filmes de romance são responsáveis por tornar infelizes as pessoas que os assistem porque as pessoas veem aquelas histórias como ideal de relacionamento. Obviamente nenhum relacionamento real pode competir com diálogos perfeitos, pores de sol sem nuvens num campo verde, ou declarações de amor debaixo de chuva. Até poderia, mas as pessoas acham que isso tem que acontecer sempre e acabam por se frustrar quando não ocorre. Pode ser que problema seja colocar expectativa demais logo no começo de um namoro. Na Índia, onde 95% dos casamentos são arranjados, o nível de satisfação e amor são maiores que no ocidente.³ Talvez porque por não conhecer a pessoa com quem se irá casar, não exista expectativa de que aquilo dará certo, o amor vai aumentando aos poucos. Isso mostra como a cultura pode influenciar consideravelmente como os relacionamentos se desdobram, e não somente a parte biológica.

Eu sou um romântico, acredito no amor pra sempre. Talvez porque tenha visto muitos filmes da Meg Ryan, talvez porque estou inserido em uma cultura monogâmica católica, onde o casamento é sagrado e almejado por todos os membros da sociedade. Mesmo sendo ateu sei que a cultura influenciou muito os meus valores. Existem pesquisas que dizem que o tempo de um relacionamento é de 7 anos, depois disso a bioquímica do corpo deixa de aceitar a condição monogâmica e passa a se desinteressar pelo parceiro atual, dando origem, algumas vezes, ao divórcio. Mas sabem também que existem exceções, casais apaixonados que mesmo depois de muitos anos juntos exibem o mesmo comportamento de taquicardia e apreensão que no começo do namoro. Talvez eu seja a exceção para a qual os cientistas não têm explicação; mais provável que não, estatisticamente falando. Mas acho que eu prefiro acreditar que o amor ainda possui seu lugar em um mundo onde o dinheiro compra estilos de vida, valores e até afeto. Acredito que o Gruber concordaria comigo.

1 - "O que nos faz humanos" - Matt Ridley
2 - "Super interessante" - 05/2010
3 - "Super interessante" - 05/2010

Agradeço ao Luiz, Sesé, Cris e Eek que me ajudaram a construir esse texto.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Pra depois

Correndo, corre, não deixa parar
Aperta no passo, não pode atrasar.
Passam-se carros, por baixo, por cima
Não faz distinção, menino, menina.
Chegar no horário, passar do ponto
Gastar muitas horas, atraso, em ponto
Comendo mal, insanidade
Fins de semana de banalidade
Me desculpe o mau senso, mas estou de saída
De aluguel, combustível, planos de vida
Muito em menos, um pouco mais
Ao menos tentando, mas tanto me faz
Pra essa vida de graça, já tão sem graça
De agraciar as vontades da massa
De convenções, de intenções
Diferenciações de raça
De lixo, extinções
Tudo passa, tudo passa.
Mas eu quero parar, estar mais alheio
Respirar, ir a fundo. Em partes, inteiro
Não estar atado às velhas premissas
Não ser comuna, nem capitalista
Segurar-me nos pés, tirá-los do chão
Voar um pouco pela contra-mão
Com o mundo no rosto, viver de verdade
Mais madrugadas, mais fins de tarde
Mas correndo, corro, não posso parar
E a vida por viver tem de esperar.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Seleção de Espécie

Computadores, automóveis, agricultura, eletricidade, tecnologias que nos possibilitaram resolver problemas e longevizar nossa existência na Terra. No começo da nossa história a expectativa de vida de um ser humano era cerca de 50 anos, enquanto que nos dias atuais essa expectativa chega em torno 80 anos, um aumento significativo, 30 anos a mais de vida! Isso sem contar na qualidade dessa vida: higiene, alimentação, lazer, informação e conforto que desenvolvemos ao longo dos anos. Existe uma causa simples pela qual conseguimos adiar nosso retorno ao nosso estado primitivo e inerte de outrora, o homem conseguiu, ao longo dos anos, “afrouxar” a pressão da seleção natural que atuava na espécie.

Basicamente o que limita o crescimento de um ser vivo, ou seja, onde a seleção natural atua, são três elementos: recursos (alimento, água, material para fazer ninhos etc.), predadores (e parasitas) e espaço. Com a invenção da agricultura e a canalização de rios o homem resolveu seu primeiro problema, o de obter recursos vitais para a sobrevivência; a utilização de ferramentas garantiu soberania sobre os outros animais e por isso não teve mais que se preocupar com possíveis predadores, enquanto que os parasitas foram sendo combatidos com remédios cada vez mais eficazes; e por mais que tenhamos ocupado quase todos os ambientes da Terra, ainda há algum espaço disponível para termos mais pessoas. A bem da verdade é que todos os seres humanos caberiam em um cubo de 1km³, portanto espaço ainda não é problema. Sob esse prisma, vemos que a seleção natural, tão implacável no começo da civilização humana, já não exerce uma forte pressão seletiva no sentido de beneficiar a sobrevivência do mais apto, quase qualquer ser humano é capaz de transmitir seus genes.

Mas quais seriam os fatores que a pressão seletiva tenderia a beneficiar na espécie humana? Dentre outros fatores também importantes, privilegiarei um volume cerebral maior que o dos outros animais e nossa postura ereta sobre duas patas, o que liberou nossa mão com polegar opositor para construir ferramentas e arremessar objetos (nenhum animal arremessa objetos com a mesma destreza que nós humanos). Uma boa capacidade de comunicação nos permitiu ensinar aos nossos filhos tecnologias e conhecimento que foram passados por gerações a fio. Logo, os seres humanos foram selecionados no sentido de serem mais inteligentes e serem bons caçadores.

Nos dias atuais, no entanto, ser bom caçador e ter mais inteligência não prevê que você terá maior sucesso reprodutivo como no começo da civilização humana. Devido à descoberta da penicilina (alegoria para todos os avanços da medicina), da energia elétrica, do petróleo como combustível, a seleção genética na nossa espécie perdeu sua importância. Isso não quer dizer que o ser humano parou de evoluir no sentido estrito da evolução, mesmo porque evoluir significa simplesmente mudança. Também não quer dizer que ter genes diferentes no pool gênico da espécie não faz mais diferença, é importante ainda termos variabilidade, não sabemos o que nos aguarda no futuro. Mesmo assim, milhares de pessoas nascem todos os dias, muitos genes mutantes ruins e deletérios aparecem, mas, em muitos casos, não mais determinam a morte dos indivíduos portadores, graças à intervenção da medicina e das descobertas da ciência.

Faço uma pausa aqui para esclarecer, antes que seja mencionado, que por mais que digam que o que existe hoje é uma seleção economia e não uma seleção natural, pode ser que seja uma afirmação equivocada. Concordo que ter dinheiro permite melhor cuidado parental, mas geralmente pessoas ricas têm um, dois ou nenhum filho enquanto que pessoas de baixa renda têm mais filhos, de 3, 4 ou mais. Os ricos então são estrategistas K (poucos filhos e muito cuidado parental) e os menos afortunados financeiramente são estrategistas R (muitos filhos e pouco cuidado parental). Vê-se então que nesse caso também não importa qual a sua renda, as chances de transmissão de genes na espécie humana não segue mais nenhum tipo de seleção, nem mesmo a econômica. Não estou entrando no mérito de qualidade de vida, e simplesmente de passagem dos genes para a próxima geração.

O que aconteceu então com os seres humanos que deveriam ser os mais adaptados da espécie humana no passado se eles não são mais selecionados positivamente pela seleção natural? Estão por aí vivendo entre todos os outros que não possuem essas características, mas que possuem outras que também são importantes no mundo de hoje. Os melhores caçadores do passado podem ser hoje atletas, ou corretores de imóveis, ou um motorista de ônibus, ou um engenheiro. Não existe por que eles estarem obrigatoriamente inseridos em um evento de esporte, mas pode ser que estejam. E se estiverem, provavelmente eles irão se sobressair sobre os outros, visto que eles têm maior vigor físico, maior capacidade pulmonar, mais músculos, maior quantidade de produção de hormônios esteróides, ou qualquer outra característica que fariam deles bons caçadores. Não me espantaria se os encontrasse entre os atletas que batem os recordes mundiais. Os mais inteligentes, por sua vez, poderiam ser um físico renomado, ou um fotógrafo, ou um guitarrista de uma banda de rock, ou uma atriz. Não necessariamente eles estarão inseridos em um evento intelectual, mas pode ser que estejam. E se estiverem, provavelmente vão contribuir significativamente para o conhecimento humano. Entre esses indivíduos se encontram Galileu, Mozart, Newton, Darwin, Einstein, e outros grandes gênios da humanidade; não me espantaria encontrá-los também entre os inventores dos microprocessadores, da fibra ótica e do telégrafo, por exemplo.

O ponto onde quero chegar é que os seres humanos que tenderiam a passar seus genes adiante por terem sido os melhores adaptados no passado não realizam mais essa tarefa, eles permitem que toda a humanidade passe seus genes adiante de um modo mais efetivo ao descobrir tecnologias, meios de longevidade e qualidade de vida. A Ciência é o principal motor para que isso aconteça: a eletricidade, descoberta por Graham Bell, não fez com que ele passasse mais eficientemente seus genes adiante, mas sim os genes de toda a espécie humana! A penicilina, descoberta por Pasteur, fez com que as chances de cura por tuberculose, se tratada corretamente, passassem de zero a muito alta (60 milhões são infectados anualmente e cerca de 2,5 milhões morrem).

Confesso que me admira ainda hoje, século XXI, com toda a informação existente, toda a história humana, toda a tecnologia, ainda haver pessoas que negligenciam a educação, o meio ambiente, a qualidade de vida, e a importância de reconhecermos as pessoas como iguais independentemente de credo, sexo e cor. As pessoas ainda se vêem surpresas ao ver um país ter como candidatos à presidência um negro e uma mulher quando deveriam achar normal que isso acontecesse. Talvez por isso eu seja meio pessimista em relação ao futuro da humanidade. A evolução do ser humano foi, dentre outras características, direcionada no sentido de um maior volume cerebral, conseqüentemente a um raciocínio mais apurado, e acho realmente um desperdício ver tantas pessoas relutantes na atividade de pensar. Não que pensar vá nos garantir mais descendentes, mas talvez assegure um planeta pra podermos viver no futuro.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Curriculum Vitae


Todo mundo constrói uma história ao longo da vida, ela pode ser interessante, excitante, ou não, tudo depende das metas que você traçou e do que conseguiu ou não realizar. Quando sentamos na varanda numa tarde de sol e olhamos para trás, cansados, avaliamos se nossa vida foi boa ou não baseado nas nossas experiências e acontecimentos marcantes. É o nosso currículo de vida. Aquele que a gente conta para os netos com orgulho, ou que os amigos contam nas rodas para te envergonhar. Por exemplo, tenho um amigo que roubou um pino de boliche (longa história) e um outro que, quando bêbado, chamou uma policial de gostosa. São essas as experiências que engrandecem e que, no final das contas, valem a pena. Existem certas coisas que devem ser feitas antes de morrer, subjetivamente falando, e listarei o meu currículo com as características que eu considero importantes e coisas que ainda faltam completar (fiz uma lista modesta e realizável).

Já andei de navio
Já fui no oktoberfest em Blumenal
Já fui no carnaval de rua em Diamantina
Já morei fora
Já nadei em rio com cachoeira
Já bebi de não me lembrar de nada no dia seguinte
Já fui em um parque aquático
Já fui a um luau
Tive uma banda e me apresentei pra uma galera me assistir
Toquei piano
Fiz guerra de travesseiro
Já fui em festa do chapéu, festa da etiqueta e festa do pijama (do cabide ainda não!)
Tenho uma tatuagem
Já me apaixonei
Já andei de kart
Comi marshmallow derretido na fogueira
Já fui num show de rock internacional
Já joguei futebol na chuva
Dei um soco bem dado em alguém
Já entrei no mar à noite de roupa
Já transei no elevador
Fui num jogo do Brasil
Apertei a campainha de uma casa e saí correndo
Já encontrei uma ex e tive uma recaída
Já matei aula
Já colei em uma prova
Terminei um jogo difícil de vídeo game
Fiz bunda-lê-lê
Já fiz guerra de bexiga d’água
Já invadi um hotel e fui escoltado pra fora
Já fiz apostas do tipo “vamos ver quem fica com mais meninas essa noite”
Já mandei um xaveco tosco
Fiz uma música
Tive um bicho de estimação
Já empinei pipa
Já ganhei uma medalha de honra ao mérito
Dirigi no autódromo de Interlagos
Já andei de avião
Já vi uma pessoa famosa


Dos importantes que eu me lembro foram esses, mas ainda faltam algumas coisas para realizar:


Pular de pára-quedas
Fazer rapel, bungee jump e rafting
Ir no Hopi Hari (Disney também)
Escrever um livro
Andar de balão de ar quente
Pisar nos 5 continentes
Plantar uma árvore
Esquiar
Rolar rua abaixo dentro de um pneu
Nadar pelado
Correr da polícia
Andar de carrinho de rolimã (é, isso é um pecado eu ainda não ter feito)
Contribuir em todas as belas artes (mesmo que mal e porcamente)
Ir a um swing
Ir num paintball
Ir a um rodeio
Surfar (ou pelo menos tentar)
Passar dos 160km/h
Dar um cavalo de pau (sou cagão pra isso)
Aula de dança
Aprender umas 3 línguas fora o português
Acampar
Aprender a tocar saxofone
Conhecer pelo menos todas as capitais dos estados brasileiros
Ver pelo menos uma das 7 maravilhas do mundo moderno,
Passar a mão em um golfinho
Fazer um curso de mergulho



Humildes e realizáveis. Ter muito dinheiro é muito vago, o importante é ter foco e priorizar o que se quer fazer. Não sei como terminar esse post...

quinta-feira, 6 de março de 2008

A justiça tarda... e por enquanto é só



Na figura se vê um punhado de jóias representando de um lado o clero católico e do outro um tecido estranho representando células tronco. Essa imagem se refere à lei que seria votada dia 05/03/08 e que foi adiada pelo Supremo Tribunal. Acho que agora fica claro por que a discussão religiosa por parte dos biólogos é importante e, ainda hoje, pertinente. A Veja dessa semana traz uma entrevista com a bióloga Mayana Zatz, diretora do Centro do Genoma Humano na USP, esclarecendo fatos como que os embriões que seriam utilizados para estudo, seriam aqueles não usados em clínicas de fertilização in vitro (bebê de proveta), ou seja, os que não seriam implantados no útero da provável mãe. Se esses embriões são vida, como os religiosos alegam ser, mantê-los em um tubo infringiria a lei de cárcere privado, e jogá-los fora seria assassinato! Jogar fora e matar todos os embriões pode, fazer estudos com eles (que resultará em morte) não. Esse tipo de incongruência, tão normal na igreja, é um problema que entrava estudos de uma tecnologia que poderia combater diabetes, Mal de Parkinson, Alzheimer, doenças degenerativas, entre outras. Quando os outros países tiverem desenvolvido a técnica (porque a sociedade é realmente laica), teremos que pagar royalties para eles, sendo uma fortuna de tratamento. Acho difícil que se alguém souber que existe uma cura pra doença degenerativa que sua mãe, sua esposa, seu filho tenha, e que não pode ter acesso porque é caro demais, irá aceitar de bom grado que é a vontade de Deus.

Abaixo, um trecho de um texto que achei na internet:

"Primeiro, a lei só liberou os estudos e as terapias do gênero com embriões descartados, por inviáveis, nas clínicas de reprodução assistida ou congelados há no mínimo três anos. (Permitida no exterior, a clonagem terapêutica, obtenção de células-tronco a partir de outros tipos de embriões, é expressamente proibida na lei brasileira.) Ora, observam os cientistas, um embrião sem nenhuma chance de ser implantado em um útero, cujo destino inexorável, portanto, é o lixo, ou um embrião congelado, que aos genitores não mais interessa implantar, em hipótese alguma poderia ser considerado vida, ou vida em potencial.

Aliás, mesmo no útero, na reprodução natural, a implantação do embrião só ocorre a partir do 6º dia - e os biólogos trabalham com aglomerados celulares (blastocistos) de até 5 dias. Segundo - e mais importante ainda -, é a Igreja, não a Constituição, que estabelece que a vida se inicia no ato da concepção. Muitos dos mais respeitados cientistas pensam que, nos organismos complexos, a vida começa quando começa a atividade cerebral e termina quando ela cessa. Para outros, a vida humana, diferentemente da vida em geral, começa com a autoconsciência e se extingue quando ela se perde. De todo modo, a equação posta diante do STF é outra: não lhe compete definir o que é vida, mas decidir se as leis (que valem para todos), se o Estado (laico) e se a sociedade (com os seus adeptos de diversos credos, os seus agnósticos e ateus) devem se pautar pelo que determinada religião entende ser o início da vida."

Concordo com o texto que tirei de um Blog¹ (e a figura também). Não poderia colocar de forma mais elegante o caso. Meu problema com a religião é exatamente esse, eles querem impor as regras do "clube" deles em nós que não compartilhamos de suas idéias e que não fazemos parte desse "clube", como acredito já ter dito em um texto anterior. Não me importa no que você acredita, desde que não atrapalhe a vida dos outros.

Sem mais.

¹ - http://ceticismo.wordpress.com/2008/03/05/celulas-tronco-a-decisao-so-pode-ser-uma/
Obs: Fiz um apud do texto porque a fonte original é o jornal Estado de São Paulo.

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Meu projeto de mundo

Cansei! Cansei desse mundo imperfeito que Deus projetou pra nós! Que espécie de arquiteto ele é pra projetar um mundo desses? Ele se formou na Poli, só pode ser. Eu, um reles mortal, projetaria um mundo melhor, e mais igualitário. Claro que tem gente que vai mencionar aquela velha história de que Eva foi banida do paraíso por comer a maçã e por isso estamos nesse mundo de merda. Mas deixando a historinha de que o mundo surgiu em 7 dias, que Adão surgiu do barro e a mulher da costela dele (que nem de longe é comprovada por fatos), vamos pensar em um Deus que criou o universo lá no início dos tempos e não interveio mais depois, deísmo de Voltaire e Diderot.

Esse negócio de presa e predador, por exemplo. De um lado os predadores com seus dentes afiados, garras, coloração que imita o ambiente, tudo pra conseguir capturar a presa. Do outro lado a presa tem pernas compridas pra fugir, com coloração específica pra se camuflar e não ser vista. De que lado Deus está, afinal? Se for do lado pra predador, por que dar pernas rápidas às presas? E se estiver do lado da injustiçada presa que nada faz além de se alimentar, fugir e se reproduzir, por que dar dentes e garras tão mortais aos predadores?

Por falar em dentes, eu também não criaria a cárie. Hoje em dia não temos muitos problemas com isso porque temos dentista, escova e pasta de dente. Muitos crânios de hominídeos, no entanto, são encontrados com alguns dentes a menos, provavelmente devido à perda deles por complicações odontológicas. Isso foi um problema até a idade média. Deus poderia ter criado alguma substância na nossa saliva capaz de matar bactérias, assim como existe na lágrima; desse modo as bactérias causadoras de pequenos orifícios nos dentes não poderiam proliferar na nossa boca. Por que ele não pensou nisso? E se pensou, ele só criou a cárie para causar dor?

Por que as abelhas têm de deixar parte de seus órgãos internos quando ferroam algum animal e por conseqüência acabam morrendo? Poderíamos argumentar que elas o fazem porque Deus pensou em um modo de puni-las caso elas se mostrassem agressivas demais. Justo. Mas então por que as vespas ferroam suas vítimas sem nenhum tipo de repreensão? Será que Ele queria privilegiar esses animais em detrimento das injustiçadas abelhinhas? Estranho. No meu mundo as abelhas não morreriam ao picar os malvados ursos e outros animais como seres humanos que vão roubar mel! Aliás, elas não picariam, dividiriam de bom grado a grande quantidade de mel de que elas dispõem.

Bom, pra resolver o problema de alimentação no mundo eu faria com que todos os animais fossem herbívoros. Nada mais de comer carne e matar animais porque eles têm sentimentos, não é mesmo (Têm mesmo?)? As plantas, então, não poderiam mais ser duras, nem ter espinhos, nem veneno, nem ter sílica que serve pra desgastar os dentes dos herbívoros, nem serem de difícil acesso. Pra que essa dificuldade toda? Eu faria uma planta macia e suculenta como uma alface, ela cresceria em qualquer clima e teria um gosto espetacular! Não é perfeito? Além disso, ainda colocaria nela todas as vitaminas, sais minerais, carboidratos e proteínas, pra não precisar ficar matando animal por proteína, e ela cresceria que nem mato para não precisarmos ficar tendo tanto trabalho pra encontrar comida. Outra alternativa ainda, seria fazer com que nosso corpo pudesse produzir todos os aminoácidos, inclusive os essenciais, assim eu não precisaria obtê-los através de alimentos protéicos (animal) e poderia produzir todas as proteínas a partir de gordura e glicose. Mas prefiro ficar com minha alface perfeita. Temos que levar em conta ainda que nenhum animal digere celulose. Se as plantas são tão abundantes, por que nenhum animal produz uma enzima que digere o mais abundante carboidrato do planeta? Só algumas bactérias e alguns protozoários flagelados ficam com o direito? Não é justo! Se eu fosse o arquiteto eu faria a enzima celulase animal e todos os animais a teriam. Assim os homens não precisariam mais ficar matando animais de forma tão cruel como eles fazem, poderíamos viver só de plantas.

Os vírus não existiriam. Quem foi que inventou eles? São uns preguiçosos que se reproduzem às custas dos outros! Eles e os parasitas, seriam todos banidos! Os primeiros seriam as vespas que paralisam aranhas com seu veneno e colocam seus ovos dentro delas; as larvas provenientes desses ovos comem a aranha viva, por dentro, lentamente, por dias a fio! Que projetista pensou nisso? Que mente doentia! Sem falar no protozoário da malária que provoca febre de 40º por destruir nossas hemácias, ou os protozoários da Doença de Chagas que comem o músculo cardíaco, ou o bacilo da tuberculose que faz com que cuspamos nosso pulmão pra fora. Não, parasitas não existiriam no meu projeto, cada um teria que conseguir viver por seu mérito próprio.

Se o grande projetista podia fazer qualquer coisa, por que fez tudo tão mal-feito? Pra que tanta estrela, planeta, buracos negros, se a gente não pode ver tudo e se elas não fazem diferença pra nós? E pra quê nove planetas no sistema solar (Plutão ainda é planeta pra mim por motivos emotivos) se Deus ia colocar vida em um só? Se comida fosse disponível para todos, assim como água, uma grande parte da discórdia mundial já seria evitada. Será que o projetista não pensou nisso tudo? Ou será que simplesmente não existe um projetista?

Engraçado que se a gente pensar que o mundo não é perfeito exatamente porque não existe um projetista, tudo faz mais sentido. As presas e os predadores surgiram por co-evolução, um evoluindo no sentido de vencer o outro. Por isso quando um evolui no sentido de ser rápido na fuga, o outro evolui em se camuflar no ambiente pra chegar perto da presa sem ser notado. Se pensarmos que as cáries se devem a bactérias que encontraram alimento em um ambiente onde outros seres não vivem e portanto não têm competidores, pensar que ela foi criada deliberadamente por um projetista não faz tanto sentido.

As abelhas possuem o ferrão ligado aos órgãos internos porque certamente é melhor do que não possuir nenhum elemento de defesa para a proteção do seu precioso mel. No entanto, elas não podiam simplesmente criar um órgão especial pra isso, elas precisariam esperar que mutações aleatórias surgissem e que a seleção natural, aos poucos, fosse selecionando as que eram vantajosas. Infelizmente no caso da abelha, o acaso fez com que o único elemento de defesa fosse uma prolongação dos órgãos, em forma de gancho. Sem contar que o ferrão vermelho que entra na pele e aos poucos pulsa o veneno dentro da vítima são os próprios órgãos internos da abelha! Se ela não os expelisse, morrendo em seguida, o veneno não seria tão eficiente pra afugentar o invasor. Mas por que ela tem que morrer pra realizar tal feito e a vespa não precisa? Porque a seleção natural teve que lidar com o que já existia. A abelha evoluiu num sentido e a vespa em outro, não necessariamente no mais perfeito, mas no melhor possível para ela no momento.

Se existe uma demanda tão grande de planta, por que nenhum animal consegue digerir? Eles tiveram que fazer associações com outros organismos que conseguiam quebrar a celulose para conseguir se alimentar da parede celular dos vegetais. As plantas, por sua vez, evoluem no sentido de impedir que sejam comidas através de espinhos, veneno, látex e sílica que desgasta o dente (entre outros mecanismos de defesa). Os animais evoluem no sentido oposto, como o caso do elefante, que possui três molares gigantescos que vão se desgastando ao longo da vida pelo atrito da sílica da planta com o dente. É quase como mastigar areia. Quando os dentes se desgastam por completo, o elefante não pode mais comer e morre. Não faz sentido pensar que um projetista colocaria, deliberadamente, um empecilho no que certamente vai servir de alimento para o elefante e para outros herbívoros. E o elefante morre de fome! Que espécie de projetista pensaria em fazer um animal que é predestinado pra morrer de fome?

Os vírus e os parasitas se aproveitam de vida já existente pra sobreviver (no caso dos vírus apenas para se replicar). Não existe um porquê de se fazer organismos parasitas, era mais fácil construir animais que pudessem viver independentemente um do outro. Eles existem apenas porque na evolução eles ocuparam um nicho que nenhum outro animal ocupava, podendo sobreviver sem competidores. E ser parasita não é pra qualquer um não! Existe um grupo, o dos Cycloneuralia, que possui uma película de proteção contra o ataque do sistema imunológico do hospedeiro. Nesse grupo se encontram os nematelmintos, lombrigas por exemplo. Não é qualquer animal que pode ser parasita, muitos podem cair no nosso trato digestivo, mas só alguns poucos conseguem sobreviver. Faz todo sentido eles existirem por evolução, mas não por criação consciente. A não ser que você fosse um projetista sádico que gostaria de ver alguns animais, até mesmo humanos, sofrendo enquanto outro organismo cresce em seu interior, às suas custas.

Existem outros exemplos como: Por que colocar olhos atrofiados em animais que vivem em cavernas se eles não vão usar nunca, ao invés de fazer animais sem olhos de uma vez? (Pela evolução, os ancestrais tinham olhos e não usavam, por isso atrofiaram); Por que colocar fendas branquiais no embrião de seres humanos se somos animais estritamente terrestres? (O ancestral dos cordados tinha fendas branquiais que se mantém como órgão vestigial até hoje). Foram poucos exemplos, mas se olharmos atentamente para a natureza, podemos ver que tudo nela faz mais sentido à luz da evolução e da seleção natural do que da criação consciente, exatamente porque por mais que achemos que a natureza é perfeita, se pararmos pra analisar, veremos que ela não é. Ela continua sim sendo fantástica e objeto de nosso fascínio, mas não perfeita. Se um criador com tanta onisciência e onipotência poderia fazer algo tão perfeito e não o fez, ele é, no mínimo, incompetente! Por outro lado, se pensarmos que a evolução se deu sem um propósito, ao acaso, essas imperfeições seriam completamente plausíveis e aceitáveis, afinal de contas, não havia ninguém ditando as regras (a não ser a seleção natural).

Por fim, se ainda formos pensar num ser supremo que criou o universo ele com certeza não é tão bom quanto as religiões pregam. Se ele foi capaz de criar animais que se alimentam de outros enquanto estão vivos, ou animais que estão predestinados a morrer de fome, ele deve ser ou um cara realmente malvado, ou um ser possuidor de um humor muito negro.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Só mais um conto

Era sempre a mesma coisa, o que você veio fazer, quanto tempo vai ficar, vamos sair um dia desses. Já não tinha paciência para conhecer novas pessoas, visto que havia há algum tempo tinha feito alguns amigos sólidos, com os quais morava. Depois de um mês essas pessoas iam-se e novas viriam contar exatamente as mesmas coisas, com a mesma empolgação que os que partiram tinham quando chegaram. Chega uma idade da vida da pessoa em que ela acha, ingenuamente, que já conheceu todos os tipos de pessoas, que ninguém mais irá lhe causar grande impacto. Sentia saudade dos seus velhos amigos, passou a dar importância para a família. Sentia-se novo.

Naquele começo de mês, tudo se renovava, como de costume. Novos membros se incorporaram à fantasia da cidade, à rotina semanal, ao deslumbramento passageiro; outros partiam para nunca mais serem vistos. Ia-se arrastado ao seu compromisso diário, que já tratava displicentemente. Era, no entanto, um compromisso, deveria honrá-lo. A passos pesados, lutando contra o vento frio entrando por debaixo do cachecol, o único conforto era o cheiro do ar gelado de que ele tanto gostava. Tinha um gosto peculiar por pequenos prazeres. Gostava do chuvisco molhando seu cabelo, gostava de ver as pessoas de preto, mal vestidas por roupas de grife, gostava de se sentir livre do julgamento de olhos curiosos ao seu lado. Estava confortável em seu pequeno exílio interior.

Comprou um café para espantar o sono e o frio, gostava de um bom café logo de manhã. Seguiu seu rumo, digitou a senha para entrar, preferiu as escadas ao elevador. Chegando à classe, foi conhecer as pessoas que destinaram a ele esse ano, além dos amigos feitos já há algum tempo, haveria de ter novos rostos. Atrasado como de costume, analisou as possibilidades, julgou as aparências, se deteve ao seu mundinho confortável de sempre. Não queria mesmo se envolver. Era, apesar de muito observador, uma pessoa que não gostava de se misturar, não deixava as pessoas entrarem em sua vida facilmente, todas eram desinteressantes até que se provasse o contrário. Ao longo do dia, no entanto, percebeu um olhar, um sorriso diferente vindo de uma garota do outro lado da sala, mas esta não lhe atraiu. Usava uma camiseta da faculdade que ela cursava, o que mostrava que era brasileira, e ligeiramente afortunada financeiramente. Tinha um sorriso bonito que se acentuava por uma covinha na bochecha direita, olhos bem delineados, cabelo castanho incrivelmente liso e bem cuidado. Era bonita, mas não tinha sido realmente atraído por ela; não à primeira vista, pelo menos.

Aos poucos toda a barreira é sobrepujada. Em meio à necessidade de se comunicar, aquele primeiro sorriso reaparece como algo intrigante, que aguça seu instinto inquisidor. Queria saber sobre o que pensava, do que gostava e, principalmente, do que ela não gostava. Tinha para si que se impressiona mais pelos defeitos que não possui do que pelas qualidades que se tem. Somente não ter defeitos não é suficiente, obviamente, tem de haver também algo a mais, algo que o diferencie, alguma qualidade que satisfaça. O mistério que o circundava por ser calado e reservado resolvia o problema de forma bem razoável, tornava-o diferente dos demais. Esforçava-se para manter essa imagem.

Começaram então a ser amigos, ela era interessante afinal. Gostavam de conversar um com o outro, tinham já aquela cumplicidade no olhar, típica de amigos de longa data. Olhavam um para o outro, com um sorriso de conhecimento de causa, entre risadas sinceras, curiosidade e admiração. Tinham gostos em comum. Gostava de ouvi-la, o que não era corriqueiro; mais estranho ainda era que ele, na sua anti-socialidade costumeira, desatava a dizer das suas coisas, talvez por saber que ela se importava e se interessava pelo o que ele tinha a dizer. Dias e dias de encontros, os dois lados teimando por um empate, nenhum dos dois dava o braço a torcer. Não ousariam ceder. Foram ao teatro, em assentos distantes, apesar de ele esperar angustiadamente sua chegada. Esforçava-se para não deixar transparecer suas emoções. Saíram outras vezes e o sentimento ia crescendo, se fortalecendo. Sentia-se, no entanto, inseguro. Achava-a linda, independente e incrivelmente interessante, não imaginava encontrar alguém como ela, uma parte nova em sua vida já não tão segura, como uma flor colorida no seu mundinho preto e branco. Talvez fosse sua insegurança que o impedia de dizer tudo isso a ela, talvez fossem fantasmas de relacionamentos passados que todos carregam consigo e que atormentam até mesmo as almas mais seguras de si que o impelia a não tomar uma atitude. Não se sabia direito os motivos, mas levava a situação sem muita pretensão.

O inevitável tenderia a florescer. Um daqueles encontros nada fabricados, pouco calculados, em que o momento certo para que as coisas aconteçam nunca fica bem delimitado até que aconteçam de fato. Uma situação nada planejada que culminou em um perfeito fim. De um encontro de muitas variáveis e muitos personagens, restaram apenas os atores principais, que se preparavam para o último ato. No princípio tudo era meio nebuloso, uma sensação de incredulidade com um misto de conquista, mas tudo se encaixou bem, como num roteiro, e ele constatou que, por mais inusitado que fosse, tivera sido bom, incrivelmente bom. Ao som de uma banda ao vivo que tocava a música favorita da garota, engolfou um gole de coragem e, num beijo demorado e ousado, de entrega, selava aquela química perfeita que emanava dos dois. Haviam cedido à vontade maior, mesmo inesperada, deixando-se levar por aquele momento raro, por àquela afinidade ímpar, que duraria o tempo de um romance de verão.