segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Só mais um conto

Era sempre a mesma coisa, o que você veio fazer, quanto tempo vai ficar, vamos sair um dia desses. Já não tinha paciência para conhecer novas pessoas, visto que havia há algum tempo tinha feito alguns amigos sólidos, com os quais morava. Depois de um mês essas pessoas iam-se e novas viriam contar exatamente as mesmas coisas, com a mesma empolgação que os que partiram tinham quando chegaram. Chega uma idade da vida da pessoa em que ela acha, ingenuamente, que já conheceu todos os tipos de pessoas, que ninguém mais irá lhe causar grande impacto. Sentia saudade dos seus velhos amigos, passou a dar importância para a família. Sentia-se novo.

Naquele começo de mês, tudo se renovava, como de costume. Novos membros se incorporaram à fantasia da cidade, à rotina semanal, ao deslumbramento passageiro; outros partiam para nunca mais serem vistos. Ia-se arrastado ao seu compromisso diário, que já tratava displicentemente. Era, no entanto, um compromisso, deveria honrá-lo. A passos pesados, lutando contra o vento frio entrando por debaixo do cachecol, o único conforto era o cheiro do ar gelado de que ele tanto gostava. Tinha um gosto peculiar por pequenos prazeres. Gostava do chuvisco molhando seu cabelo, gostava de ver as pessoas de preto, mal vestidas por roupas de grife, gostava de se sentir livre do julgamento de olhos curiosos ao seu lado. Estava confortável em seu pequeno exílio interior.

Comprou um café para espantar o sono e o frio, gostava de um bom café logo de manhã. Seguiu seu rumo, digitou a senha para entrar, preferiu as escadas ao elevador. Chegando à classe, foi conhecer as pessoas que destinaram a ele esse ano, além dos amigos feitos já há algum tempo, haveria de ter novos rostos. Atrasado como de costume, analisou as possibilidades, julgou as aparências, se deteve ao seu mundinho confortável de sempre. Não queria mesmo se envolver. Era, apesar de muito observador, uma pessoa que não gostava de se misturar, não deixava as pessoas entrarem em sua vida facilmente, todas eram desinteressantes até que se provasse o contrário. Ao longo do dia, no entanto, percebeu um olhar, um sorriso diferente vindo de uma garota do outro lado da sala, mas esta não lhe atraiu. Usava uma camiseta da faculdade que ela cursava, o que mostrava que era brasileira, e ligeiramente afortunada financeiramente. Tinha um sorriso bonito que se acentuava por uma covinha na bochecha direita, olhos bem delineados, cabelo castanho incrivelmente liso e bem cuidado. Era bonita, mas não tinha sido realmente atraído por ela; não à primeira vista, pelo menos.

Aos poucos toda a barreira é sobrepujada. Em meio à necessidade de se comunicar, aquele primeiro sorriso reaparece como algo intrigante, que aguça seu instinto inquisidor. Queria saber sobre o que pensava, do que gostava e, principalmente, do que ela não gostava. Tinha para si que se impressiona mais pelos defeitos que não possui do que pelas qualidades que se tem. Somente não ter defeitos não é suficiente, obviamente, tem de haver também algo a mais, algo que o diferencie, alguma qualidade que satisfaça. O mistério que o circundava por ser calado e reservado resolvia o problema de forma bem razoável, tornava-o diferente dos demais. Esforçava-se para manter essa imagem.

Começaram então a ser amigos, ela era interessante afinal. Gostavam de conversar um com o outro, tinham já aquela cumplicidade no olhar, típica de amigos de longa data. Olhavam um para o outro, com um sorriso de conhecimento de causa, entre risadas sinceras, curiosidade e admiração. Tinham gostos em comum. Gostava de ouvi-la, o que não era corriqueiro; mais estranho ainda era que ele, na sua anti-socialidade costumeira, desatava a dizer das suas coisas, talvez por saber que ela se importava e se interessava pelo o que ele tinha a dizer. Dias e dias de encontros, os dois lados teimando por um empate, nenhum dos dois dava o braço a torcer. Não ousariam ceder. Foram ao teatro, em assentos distantes, apesar de ele esperar angustiadamente sua chegada. Esforçava-se para não deixar transparecer suas emoções. Saíram outras vezes e o sentimento ia crescendo, se fortalecendo. Sentia-se, no entanto, inseguro. Achava-a linda, independente e incrivelmente interessante, não imaginava encontrar alguém como ela, uma parte nova em sua vida já não tão segura, como uma flor colorida no seu mundinho preto e branco. Talvez fosse sua insegurança que o impedia de dizer tudo isso a ela, talvez fossem fantasmas de relacionamentos passados que todos carregam consigo e que atormentam até mesmo as almas mais seguras de si que o impelia a não tomar uma atitude. Não se sabia direito os motivos, mas levava a situação sem muita pretensão.

O inevitável tenderia a florescer. Um daqueles encontros nada fabricados, pouco calculados, em que o momento certo para que as coisas aconteçam nunca fica bem delimitado até que aconteçam de fato. Uma situação nada planejada que culminou em um perfeito fim. De um encontro de muitas variáveis e muitos personagens, restaram apenas os atores principais, que se preparavam para o último ato. No princípio tudo era meio nebuloso, uma sensação de incredulidade com um misto de conquista, mas tudo se encaixou bem, como num roteiro, e ele constatou que, por mais inusitado que fosse, tivera sido bom, incrivelmente bom. Ao som de uma banda ao vivo que tocava a música favorita da garota, engolfou um gole de coragem e, num beijo demorado e ousado, de entrega, selava aquela química perfeita que emanava dos dois. Haviam cedido à vontade maior, mesmo inesperada, deixando-se levar por aquele momento raro, por àquela afinidade ímpar, que duraria o tempo de um romance de verão.

2 Comments:

Anônimo said...

Achei q esse beijo nao ia sair! caralho, q tensao!

Gabi said...

Só mais um conto?
Muito bonito.